Na educação que o Singularidades acredita e oferece a seus alunos, questões como a promoção da diversidade e da multiculturalidade são fundamentais, além da valorizacão dos diferentes territórios de aprendizagem. Por esta razão, trazemos hoje 10 escritores, sociólogos e poetas negros de diferentes épocas, origens e atuações, cuja leitura pode oferecer olhares ricos e diversos aos educadores. A lista surgiu da curadoria dos professores da graduação em Letras*.
Inserir estes nomes nos currículos brasileiros não apenas agora, quando vivemos em todo o mundo centenas de manifestações e questionamentos sobre o racismo, mas sempre é extremamente necessário. Saiba mais a seguir.
Kabengele Munanga
A questão do racismo na sociedade brasileira é o objeto de estudo de um dos mais respeitados intelectuais e pesquisadores sobre antropologia afro-brasileira, o antropólogo e professor Kabengele Munanga.
Nascido no Congo, Kabengele graduou-se em seu país natal e veio ao Brasil para fazer seu doutorado na Universidade de São Paulo em 1977, para onde voltou três anos depois para ocupar uma cadeira na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da mesma universidade.
Entre os temas de seus livros, são frequentes as discussões sobre o racismo estrutural no Brasil, o mito da democracia racial, a mestiçagem no processo da formação do país e a negritude (o processo de construção da identidade do indivíduo de origem africana).
Principais obras:
Negritude: Usos e Sentidos (1986)
Racismo Perspectivas Para Um Estudo Contextualizado Da Sociedade Brasileira (1998)
O Negro no Brasil de Hoje (2006)
Chimamanda Adichie
Nascida na Nigéria, Chimamanda Ngozi Adichie é um dos grandes nomes da literatura africana contemporânea. Suas obras – ela escreveu seus primeiros contos aos 7 anos – já foram traduzidas em mais de 30 idiomas.
Filha de um professor e de uma secretária universitária, Adichie cresceu em Nsukka, uma cidade universitária a 600 quilômetros da capital nigeriana, Lagos. Aos 19 anos, foi estudar na Universidade Drexel, na Filadélfia (EUA). A partir desta vivência, surgiu um dos seus livros mais conhecidos, Americanah, cuja história se passa entre a Nigéria e o país onde hoje ela passa parte de sua vida como palestrante e professora convidada.
Além de escritora, ela tem uma forte atuação no feminismo e na defesa de questões sociais, temas sobre os quais ela publicou ensaios e palestras. Uma delas, no TED Talks, O perigo de uma história só, já foi assistido em 46 línguas diferentes.
Principais obras:
Hibisco roxo (2003)
Americanah (2013)
Sejamos todos feministas (2014)
Amailton Magno Azevedo
Azevedo é estudioso da história e das culturas negras no Brasil. Professor do Departamento de História da Faculdade de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), graduado, mestrado e doutorado no mesmo curso e faculdade, fez seu pós-doutoramento na Universidade do Texas (EUA).
O professor tem uma produção acadêmica muito potente, relacionada à música e à cultura negra não apenas no Brasil, bem como em Cuba e na Nigéria. Para ele, a a arte, a música e as religiões de matriz africana são, mais que tudo, formas de resistência e de luta política. Também músico, ele gravou o álbum “Mundo Atlântico”, em 2004.
Principal obra:
Sambas, Quintais e Arranha-Céus: as micro-áfricas em São Paulo (2017)
Sueli Carneiro
Quando se fala do feminismo negro, um nome fundamental no Brasil é o da escritora, filósofa e ativista Sueli Carneiro. Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), é a fundadora do Geledés – Instituto da Mulher Negra, organização negra e feminista independente sediada em São Paulo.
Em sua principal obra, Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil, Carneiro apresenta alguns dos resultados da reducão das desigualdades trazidas pela redução da discriminação racial acontecida nos últimos anos. Ela analisa os reflexos desta mudança no mercado de trabalho, nos indicadores sociais, no aumento da consciência negra, na miscigenação racial, na criação de cotas e na obrigatoriedade do ensino da História e Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas públicas, entre outras conquistas.
Principais obras:
Escritos de una vida (2018)
Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil (2011)
Elisa Lucinda
Multifacetada, Lucinda é jornalista, poeta, escritora, atriz e cantora e fundadora do espaço cultural Casa Poema, no Rio de Janeiro, que sedia eventos relacionados a literatura, teatro e música.
Tornou-se conhecida no Brasil e no exterior pela forma que interpreta seus versos, juntando suas vivências a eles, e por seus papéis no teatro e na televisão. Como escritora e poeta, Elisa publicou 14 livros, entre romances, contos e poesias.
Principais obras:
Parem de falar mal da rotina (2010)
A Dona da Festa (2011)
Fernando Pessoa, o Cavaleiro de Nada (2014)
Luís Bernardo Honwana
O escritor, jornalista e político Luís Bernardo Honwana foi um dos primeiros nomes a chamar atenção para a literatura produzida em Moçambique. Formou-se em jornalismo em Maputo, capital do país, onde teve como mentores Rui Knopfli e José Craveirinha, importantes nomes da poesia daquele país africano.
Na mesma época, tornou-se militante da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), grupo que lutava pela independência de Portugal e, por isso, foi levado à prisão, por 3 anos. Formou-se em Direito na Universidade de Lisboa e voltou para Moçambique, onde desempenhou várias funções, inclusive como Ministro da Cultura.
Seu livro Nós matamos o Cão-tinhoso! foi publicado em 1964, ainda em meio ao período colonial. Cinco anos depois, já na guerra pela libertação de Moçambique, a obra ganhou uma versão em inglês e, mais adiante, foi traduzida para vários outros idiomas. O livro é um marco na literatura africano-portuguesa.
Principais obras:
Nós matámos o Cão-Tinhoso! (1968)
Rosita, até morrer (conto, 1971)
A velha casa de madeira e zinco (2017)
Achille Mbembe
O filósofo, professor e historiador camaronês é uma referência no campo da teoria crítica, história e sociologia política a respeito da diáspora africana e do chamado pós-colonialismo. Além de lecionar na faculdade de História e Ciências Políticas do Instituto Witwatersrand, em Joanesburgo, África do Sul, Mbembe é especialista na questão pós-colonial com um olhar crítico, conectado com a construção dos racismos ao redor do mundo.
Seu ensaio, Necropolítica, lançado em 2003, vem sendo fundamental na discussão e reflexão sobre a crise sanitária e política que o Brasil atravessa, que reforçou as desigualdades sociais no país. A reflexão aprofundada de Mbembe sobre estas questões complexas traz respiro para a resistência e militância negras, além de gerar questionamentos sobre a realidade brasileira.
Principais obras:
Necropolítica (2011)
Crítica da razão negra(2013
Alda do Espírito Santo
Nascida em Angola, a escritora, política e poeta Alda do Espírito Santo (também conhecida como Alda Graça) é outro nome obrigatório no panteão dos autores africanos de língua portuguesa. Em São Tomé e Príncipe viveu a maior parte de sua vida, e lá construiu sua carreira primeiro como professora, depois como política e escritora.
No início dos anos 70, Espírito Santo foi fazer seus estudos universitários em Lisboa, mas acabou voltando a São Tomé por razões políticas e financeiras. Com o fim do período colonial e a independência do país africano, em 1975, ela atuou como Ministra da Educação e Cultura, Ministra da Informação e Cultura e Secretária-Geral da União Nacional de Escritores e Artistas. Neste mesmo período, a autora escreveu a letra do hino nacional do país liberto, Independência Total.
Seus textos tratam do cotidiano e da esperança surgida pela independência, que pedia por transparência e pelo fim da opressão do povo da ilha africana, e de sua revolta diante dos exageros cometidos pelos colonizadores portugueses. Espírito Santo morreu em 2010, no país que adotou como pátria e que a inspirou em sua escrita e militância.
Principais obras:
Mataram o rio da minha cidade (2003)
Cantos do solo sagrado (2006)
O relógio do tempo (2008)
Luiz Gama
Ainda que não seja contemporâneo do restante dos autores que trouxemos aqui, o nome de Luiz Gama não pode ser deixado de lado por quem quer conhecer mais sobre a história negra brasileira. Filho de pai branco e mãe negra e escrava (Luiza Mahin, um dos ícones da luta pela libertação dos escravizados e com importante atuação na Revolta dos Malês, em 1835), foi um dos maiores ativistas em prol da abolição da escravidão no Brasil, além de cronista e poeta.
A história de Gama é impressionante: nascido livre, foi vendido como escravo pelo próprio pai aos 10 anos, para pagar uma dívida de jogo. Levado para São Paulo, aprendeu a ler e escrever sozinho, no cativeiro, e aos 17, conquistou na justiça o direito à liberdade, provando que havia nascido livre.
Tentou ingressar na Faculdade de Direito do Largo do São Francisco, mas devido ao preconceito de alunos e professores, frequentou as aulas como ouvinte e, mais tarde, obteve o título de advogado autodidata, o que foi fundamental em sua atuação pela libertação de centenas de escravos em todo o país.
Como poeta, publicou sua primeira coletânea de poemas, “Primeiras Trovas Burlescas”, em 1859. Já como jornalista, escritor e defensor apaixonado das causas abolicionista e republicana, escreveu para jornais como Diabo Coxo, Cabrião e A Província de São Paulo.
No Radical Paulistano, veículo de comunicação abolicionista do Partido Liberal Radical, Gama trazia denúncias contra os senhores de escravos ou seus representantes, sentenças equivocadas e erros de advogados e juízes.
Um dos poucos intelectuais negros desta época, Luiz Gama dedicou-se à luta por duas causas que, infelizmente, não se concretizaram em seu período de vida, mas pelas quais se tornou símbolo de resistência. Ele morreu em São Paulo em 1882 e conhecer sua vida e obra é fundamental para todos os estudantes e professores do país.
Principais obras
Primeiras Trovas Burlescas (1859)
Novas Trovas Burlescas (1861)
Carla Akotirene
Entre os jovens autores e ativistas da causa negra em nosso país, Carla Akotirene (nascida Carla Adriana da Silva Santos, em Salvador) tem se destacado no feminismo negro. Seu objeto de estudo é o que ela chama de interseccionalidade, metodologia que reflete no como o gênero feminino é atingido por vários fatores opressores, mas quando se trata das mulheres negras, para além do sexismo e do machismo, o racismo estrutural adiciona uma questão mais ampla, que amplia a diversidade de territórios e problemas que devem ser levados em conta por toda a sociedade brasileira, como o encarceramento.
Formada em Serviço Social pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Akotirene começou a trabalhar com interseccionalidades em seu mestrado em Estudos Feministas na mesma instituição, tendo como objeto de pesquisa a vida das mulheres presas no Conjunto Penal Feminino de Salvador. Em sua dissertação de doutorado, também na UFBA, ela compara o racismo e os sexismos institucionais em prisões masculinas e femininas, usando os mesmos conceitos.
Em setembro de 2018, Akotirene lançou o seu primeiro livro, O que é Interseccionalidade? e, no mesmo ano, compartilhou suas ideias sobre violência contra as mulheres negras, trabalho docente e racismo nas cidades em evento da ONU Mulheres sobre desenvolvimento sustentável.
Principais obras:
O que é Interseccionalidade?” (2018)
Ó paí, prezada (2020)
*Agradecimentos aos professores Dayse Ramos da Silva, Márcia Moreira Pereira, Maurício Canuto e ao coordenador Marcelo Ganzela, todos da Graduação em Letras do Singularidades, pela curadoria dos autores que fazem parte deste texto.
Já leu algum destes autores e também considera a inserção de autores negros nos currículos uma questão fundamental para a educação plural? Compartilhe com a gente sua opinião!
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