Até pouco tempo, falar sobre cérebro e neurociência era assunto para especialistas, mas hoje esse tema caiu na boca do povo e está presente em muitas rodas de conversa: é neuroeconomia, neuromarketing, neuroeducação, neuropolítica. Vivemos a época do neurotudo!
E isso é bom ou ruim? Depende. Trazer o conhecimento científico para ser discutido e fazer com que ele alcance o maior número de pessoas é muito bom, no entanto, dependendo de como isso é feito, informações equivocadas podem ser espalhadas e as chances de neurobobagens circularem são grandes. É aqui que entram os neuromitos.
Neuromito é um termo utilizado para as interpretações equivocadas e afirmações duvidosas a respeito da ciência do cérebro e que ganham cada vez mais espaço com a popularização e generalização das descobertas neurocientíficas. Aqui vamos conhecer dois deles.
É verdade que usamos apenas 10% do cérebro?
Não. Isso definitivamente não é verdade, mesmo que você acredite que alguém próximo a você utilize até menos dessa porcentagem! Evidências científicas indicam que para um ser vivo desempenhar todas as suas funções é necessário que ele utilize 100% da sua capacidade cerebral.
Em certas cirurgias, é possível observar que mesmo quando não há movimento, sensação ou emoção sendo observados, não há áreas inativas e isso também vale para o sono.
Por si só, esse mito já poderia ser derrubado pelo fato de que o cérebro é um órgão que consome muita da nossa energia e não faria muito sentido um custo energético tão alto para suprir apenas 10% de sua capacidade. O que fariam os outros 90%?
Há várias hipóteses que podem ter colaborado com o surgimento desse mito e uma delas deve-se às interpretações equivocadas dos experimentos do psicólogo americano Karl Lashley, que nos anos 30 observou que mesmo após remover partes do córtex cerebral de ratos, os animais ainda podiam aprender tarefas específicas, que foi erroneamente interpretado como se os ratos não precisassem de todo o cérebro para desempenhar suas funções, o que poderia ter extrapolado para outras espécies como o ser humano.
É verdade que há períodos críticos em que certos assuntos precisam ser ensinados e aprendidos?
Não exatamente. Na verdade, há uma crença equivocada de que o aprendizado de algumas habilidades só pode ocorrer em uma determinada idade e caso esse “período” passe, a criança não consegue mais desenvolver essa habilidade ou apresenta muita dificuldade.
O que as pesquisas mostram é que, embora sejam reconhecidos períodos de grande desenvolvimento cerebral ao longo da infância, o conceito de um período crítico não é compatível com o que se entende sobre neuroplasticidade, já que um cérebro saudável nunca perde a capacidade de se reorganizar.
Mas você pode pensar: “uma criança não aprende com muito mais facilidade do que um adulto?” Sim, há certas coisas que de fato a criança aprende muito mais rápido e isso se deve por causa da reorganização cerebral, que diminui com o passar da idade.
Até agora, a comunidade científica não indicou nenhum período crítico para a aprendizagem, ou seja, “ou aprende agora, ou não aprende mais”. É mais apropriado se referir a “períodos sensíveis”, o que se refere à facilidade de se aprender algo em um determinado período.
Então quer dizer que eu posso aprender em qualquer idade? Sim e isso não é um neuromito.
Referências:
CHIESA, Bruno della. Neuromitos. Os impactos perigosos das falsas ideias. Revista Neuroeducação. 2012.
EKUNI, Roberta.; ZEGGIO, Larissa.; BUENO, Orlando Franscisco Amodeo. Caçadores de Neuromitos. O que você sabe sobre o seu cérebro é verdade? Memnon. São Paulo, 2015.
Adriessa Santos é coordenadora do curso de Pós-graduação em Neurociência na Escola no Instituto Singularidades
Para saber mais: http://institutosingularidades.edu.br/novoportal/produto/neurociencia-na-escola-2/
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