Os quadrinhos, animes, games, filmes e séries são parte fundamental da vida cultural das gerações Y e Z. Grandes eventos como a ComicCon (CCXP) atraem cada vez mais participantes, mostrando que o consumo de cultura pop por crianças, adolescentes e adultos está sempre em alta. E como a educação pode utilizar destas linguagens e expressões criativas e culturais para buscar se aproximar mais dos estudantes, engajando-os mais nos componentes curriculares?
Na última quinta-feira, 28, o Singularidades reuniu os professores Juliana Bellegard, Simonia Fukue e Lucas Leite para tratar deste tema apaixonante em um webinar, comandada por Marcelo Ganzela, coordenador da graduação em Letras do Instituto Singularidades. A conversa rendeu várias reflexões interessantes, divertidas e inspiradoras, e pode ser conferida na íntegra aqui.
Durante o webinar, os três professores trataram de diferentes gêneros de cultura pop que podem trazer novos olhares para o ensino de disciplinas tradicionais, seja no ensino fundamental, médio ou superior.
É importante lembrar que a nova Base Nacional Curricular (BNCC), que já entrou em vigor para o Ensino Fundamental e em breve também será aplicada ao Médio, menciona que gêneros da cultura pop e digital, como fanfics (as ficções textuais ou expressões artísticas criadas por fãs de algum produto da cultura pop), os trailers sinceros (trailers de filmes realizados por fãs), games, memes e quadrinhos sejam utilizados por professores em sala de aula.
Juliana, que é jornalista e professora de Inglês e Língua Portuguesa, falou sobre as fanfics, que constituem um verdadeiro mundo paralelo quando se fala de leitura e escrita. “Elas são narrativas criadas por pessoas comuns a partir de alguma produção cultural que já existe – livro, filme, série, personagens, do que você for fã e querer criar em cima daquela história. Tudo que é criado pelos fãs a partir de uma coisa que já existe é uma fanfic”, explica.
A professora diz que é comum que os professores pensem que grande parte dos alunos tenham pouco interesse em leitura, mas que esse mundo da cultura pop está a disposição dos professores e deve ser usado. “O que se vê ali são pessoas consumindo alguma coisa e se apropriando da história, da linguagem, daquele mundo e produzindo uma coisa própria. Então, acho muito pertinente que a gente pense nisso”
Juliana deu dois exemplos deste uso, um deles não textual. Num desenho, dois adolescentes de mãos dadas, um deles lendo um livro e o outro segurando uma caveira. Batizada como “Hamratio”, é um “shipping” (a junção do nome de duas pessoas que os fãs gostariam que formassem um casal) de Hamlet e Horatio, personagens do clássico shakespeariano Hamlet. O desenho tem traços contemporâneos, os jovens usam roupas e têm o estilo de hoje, mas elementos como a caveira remetem à trama do livro.
O outro exemplo dado pela professora foi uma fanfic produzida a partir de Capitães da Areia, de Jorge Amado, obra obrigatória da literatura brasileira. Os alunos continuaram a história de dois dos personagens principais do livro no futuro, imaginando um outro final possível para aquela jornada. “As fanfics formam uma ferramenta maleável, que pode ser usada para puxar o aluno mais pro nosso lado”, avalia.
O poder da cultura pop japonesa e sua conversa com a educação
Já o universo de Simonia é o da cultura pop oriental, dos mangás e animes, que há muito foram abraçados e ganharam um grupo enorme de fãs no ocidente. Ela conta que quando começou a lecionar no Ensino Fundamental, em Curitiba, ela se deparou com uma sala cheia de adolescentes barulhentos e desatentos, trocando figurinhas e revistas da saga Dragon Ball, que estava no auge naquele momento.
Ali ela percebeu uma oportunidade de aproximar-se dos alunos. “Desenhei um Goku [um dos principais personagens principais da saga] bem grande na lousa, e disse que se todo mundo prestasse atenção à aula, eu os ensinaria a fazer isso também. Deu certo!”, conta ela, divertida.
Ainda que os mangás e animes tenham um caráter mais visual, à semelhança do que foi dito por Juliana, Simonia conta que muitos dos seus alunos também querem fazer suas versões de suas histórias preferidas.
“Eu vejo que o pessoal tem se interessado pela leitura e por essa parte mais artística e cultural , no estilo do fazer, de querer produzir tanto animes quanto mangás, começando quando são novos. Estimulados pelos professores, a gente acaba se encontrando depois, no mercado de trabalho, e isso é um orgulho que eu tenho”, conta a professora.
Memes e referências pop no ensino superior? Sim!
Memes, vídeos, sagas como Harry Potter e Game of Thrones, séries da Netflix e filmes da Disney tem a ver com Relações Internacionais? Lucas Leite é professor da graduação nesta área e afirma que sim. Lucas usa estes elementos em suas aulas para tratar de temas profundos e complexos, como política internacional, colonialismo, história do feminismo e diversidade.
“A gente mostra que, dentro do ensino, o legal é extrapolar. Não tem como deixar as teorias de lado, mas dá para tentar trazer um pouco do que é do meu mundo e o dos alunos, recriando significados”, explica o professor.
Lucas mantém com uma amiga um canal do Youtube que mescla a cultura pop e política internacional, que surgiu a pedido dos alunos, que gostavam das referencias e das atividades propostas pelo professor em sala de aula.
“Uma atividade que eu gosto de propor é pedir para os estudantes dos primeiros semestres pegarem memes e aplicarem em vídeos, em trabalhos relativos às disciplinas Teorias das Relações Internacionais I e II”, conta. Lucas também usa outros recursos como podcasts, redes sociais (Twitter e Instagram) e quiz on-line para incitar a criatividade e transformar a teoria em algo mais acessível.
Outro exemplo que o professor deu durante o webinar foi de abordar a saga Harry Potter para discutir autoritarismo, a ascensão da extrema-direita e a tolerância. “A gente pode usar os filmes mais atuais, dos crimes de Grindelwald, para fazer uma análise da Primeira Guerra Mundial, ou do entre guerras, no chamado período de crise das relações internacionais. Ali o surgimento de figuras extremistas, que seriam o próprio Grindelwald, por exemplo”, revela.
Professores, abram espaço para a cultura pop!
Os três professores concordam que muitos educadores ainda têm resistência ao uso da cultura pop em sala de aula, mas que é válido abrir espaço, interessar-se e se aproximar destas possibilidades pedagógicas.
“É necessário tirar o juízo de valor e tê-las como ferramenta de diálogo. Por exemplo, as fanfics não são escritas na linguagem do Camões, mas são um bom exemplo até para fazer um contraponto dos diferentes tempos e linguagens, para dialogar com os interesses dos alunos”, reforça Juliana.
Simonia conta que, além de elementos de fruição e diversão, existem no Japão mangás exclusivos para o ensino, o que torna a apreensão de conteúdo muito mais divertida. “Tenho uma sobrinha que mora no Japão que aprendeu toda a biografia dos compositores clássicos lendo mangá. O interessante é trazer esse equilíbrio entre o mundo real e o do mangá ou do anime para enriquecer a aprendizagem”.
Lucas concorda com as colegas. “Dá para fazer ciência e pesquisa com recursos pop, sim. Eu tenho alunas que fizeram seus trabalhos de conclusão de curso (TCC’s) sobre feminismo baseado nas heroínas dos quadrinhos , por exemplo. Como tem muitos professores que gostam de cultura pop e falam muito sobre isso, o aluno que esteja ali calado pode ser estimulado a se expressar porque ele se identifica com aquilo”, conclui.
A conversa mediada por Marcelo Ganzela com três professores de atuações tão complementares mostrou o imenso potencial que a cultura pop oferece para educadores de todos os níveis por meio do aprendizado, experimentação e um mergulho nos interesses do aluno, mas sem deixar os conteúdos obrigatórios de lado. A educação do futuro pede esse diálogo, e os professores que souberem fazer esta transposição serão fundamentais para a formação de novos cidadãos e profissionais.
Queremos ouvir você, professor! O que você acha da utilização da cultura pop pela educação? Conte-nos sua opinião e quais experiências nesta área tem feito com os seus alunos!
Para saber mais: http://institutosingularidades.edu.br/novoportal/
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