No Egito Antigo, o conhecimento matemático a respeito de uma instalação composta de um poço e uma escada permitia a medida da cheia do rio Nilo. O nilômetro, como ficou conhecido, contribuía para o prestígio do faraó e dos sacerdotes que o cercavam, fazendo com que o povo, que por sua vez desconhecia seu funcionamento, dependesse cada vez mais de seu líder e de seus conhecimentos ditos “divinos”.
A partir desta curiosidade histórica da antiguidade, destaco como o saber configura-se como uma forma de validar a autoridade, e é justamente com esta discussão que penso sobre como o saber elencado no currículo escolar, pode também ser direcionado para validar o poder, ou até mesmo para trazer a existência, motivações, desejos e interesses de determinados grupos sociais ou até mesmo o que é reconhecido por uma possível “maioria”.
Pensarmos em adequação na educação matemática, remete-nos facilmente a um caminho que se inicia no modelo educacional e curricular já convecionalizado pela sociedade, e que comumente entende, por exemplo, que os alunos ao final do 9º Ano do Ensino Fundamental precisam estar aptos a resolver problemas que possam ser representados por equações polinomiais do 1º grau.
Uma adequação curricular, considera, nesse caminho didático, o que se pode planejar tendo em vista o alcance da finalidade social desta adequação, ou seja, sairmos do comodismo de estratégias, métodos, modelos e algoritmos já fixados historicamente e pensar no que se pretende alcançar no campo das práticas cotidianas, empoderando o aluno para uma maior participação como membro da comunidade em que está inserido.
Retomando o exemplo de alunos que ao final do 9º Ano precisam resolver problemas representados por equações polinomiais do 1º grau, podemos observar que a representação de tais problemas por expressões utilizando incógnitas e numerais não pode ser, no âmbito da adequação curricular, a única forma de representação.
A Educação Matemática tem atualmente promovido pesquisas que destacam as diferentes possibilidades no pensamento algébrico, estimulando ampliar estratégias e formas de representação na Matemática – uma ampliação essencial no caminho didático da adequação curricular.
A formação de professores de Matemática
No Curso de Licenciatura em Matemática do Instituto Singularidades é comum, por exemplo, a discussão sobre a diversidades de estratégias e linguagens no ensino de Matemática.
Os futuros professores já estão estudando, nesse curso, movimentos importantes e que contribuem para a adequação curricular, como, por exemplo, o Desenho Universal de Aprendizagem, uma abordagem que tem fundamentado a prática docente de vários professores em diferentes países.
A comunidade escolar deve trazer no seu lidar didático a concepção de que uma escola pode ser considerada inclusiva quando, na sua organização política, arquitetônica e pedagógica, são favorecidos a matrícula, a permanência e o desenvolvimento escolar de todos os alunos, independentemente de sua etnia, sexo, gênero, idade, especificidade, condição social ou qualquer outra situação, assim como bem define a Declaração de Salamanca (1994).
O que desejo destacar aqui é a necessidade contemporânea do professor de Matemática não receber o ‘aluno com deficiência’, o ‘aluno surdo’, o ‘aluno considerado em situação de inclusão’ ou outras terminologias que acabam sendo utilizadas na educação, mas receber ‘o aluno’, uma pessoa que por mais limitações que apresente, precisa ser reconhecido na comunidade escolar pelas suas potencialidades e em sua singularidade, e não apenas por suas necessidades.
Somente a partir deste reconhecimento é que podemos partir para uma reflexão sobre a sua individualidade em meio a diversidade, promovendo uma adequação curricular que atenda cada um dos diferentes alunos de uma turma.
A adequação curricular, não apenas beneficia um aluno ou a um grupo de alunos em específico, mas deve ser um exercício docente contínuo, considerando a diversidade.
É partindo desse ideal que a comunidade escolar poderá fundamentar o movimento de educação inclusiva e redimensionar os planejamentos relacionados ao processo educacional.
O redimensionamento que trazemos como possibilidade, permitirá que o processo de adequação curricular seja constantemente revisto, promovendo a construção de uma escola centrada na ética, no respeito às individualidades e à diversidade, pois reconhece, por meio do redimensionar de ações e planejamentos, que o erro faz parte do processo de mobilização da comunidade que busca ser inclusiva.
Para saber mais: http://bit.ly/matematicasingularidades
Entre em contato: [email protected]
Elton de Andrade Viana é professor do curso de Licenciatura em Matemática do Instituto Singularidades.