Desde 1987, Austin, capital do estado do Texas, recebe gente de várias partes do planeta para celebrar e refletir sobre os cruzamentos entre a música, o cinema, a tecnologia, a educação e a cidadania. O Southern by Southwest Conference & Festivals (ou simplesmente SXSW) está entre os mais aguardados megaeventos do mundo. Na programação, festivais de música, cinema, debates e palestras sobre os mais variados assuntos acontecendo ao mesmo tempo, em diversos pontos da cidade norte-americana.
O SXSW dura 11 dias (neste ano, entre os dias 8 e 17 deste mês), e uma semana antes é realizado o braço de educação do megaevento, o SXSW Edu, que tem uma duração mais curta (três dias, de 4 a 7 e março) e um formato um pouco mais fechado. Miguel Thompson, diretor executivo do Instituto Singularidades esteve em ambos e compartilhou conosco algumas de suas impressões e ideias gerados a partir da experiência.
A volta ao humano
Miguel conta que um dos grandes temas surgidos nas palestras e debates que assistiu tanto no “evento-mãe” quanto no de educação foi a volta ao humano, ao contato real e ao coletivo. Não que a tecnologia esteja em decadência, mas para que ela seja mais efetiva são necessárias pessoas mais instintivas e sensíveis.
Ele cita como exemplo de defesa dialógica a concorrida sessão – com direito a fila de espera – com Alexandria Ocasio-Cortez, a mais jovem deputada eleita nos Estados Unidos na última eleição parlamentar, em 2018, aos 28 anos.
Ocasio-Cortez, que é do Partido Democrata, falou de forma eloquente sobre o cenário político do qual ela faz parte e de suas propostas no congresso, destacando a necessidade de retomar-se o diálogo.
A polarização política dos dias de hoje (não apenas no Brasil e nos Estados Unidos) fez com que toda conversa se tornasse uma disputa ou uma tentativa de convencer o outro, e não uma oportunidade de troca e de ouvir diferentes pontos de vista.
Segundo a deputada, a chave para quebrar esta barreira é realmente se interessar e escutar o que o outro tem a dizer, ainda que não se concorde com suas convicções.
Chamou a atenção de Miguel também a palestra da educadora norte-americana Brené Brown, que falou sobre a necessidade de se repensar a vida interior e em comunidade para melhorar nossas sociedades, o que no momento pode parecer trivial, mas é de suma importância.
“Ela sugere que todos se aceitem como humanos, demasiado humanos [conceito do filósofo alemão Friedrich Nietzsche] para termos comunidades e pessoas mais saudáveis e felizes, o que nos dias de hoje se tornou muito difícil. Estamos sempre nos deixando de lado, sem olhar para dentro”, comenta.
Desconectar para conectar
Outro tema que flutuou pela última edição do SXSW deriva do primeiro citado pelo diretor: a necessidade de desconectar-se para fazer conexões mais efetivas e duradouras. “Não se trata de abandonar o celular ou o tablet”, comenta Miguel.
“Trata-se de saber que para gerar coisas interessantes que possam ser utilizadas nestes aparatos é obrigatório adquirir conhecimento por meio de conversas, palestras, reuniões de comunidades escolares ou de outros tipos”. É trocar um pouco a tela do Whatsapp pelo olho no olho.
Transmídia e translinguagens
A convergência entre cinema, serviços de streaming, redes sociais, histórias em quadrinhos, música (do mais hipster ao abertamente pop) e jornalismo, que é uma das marcas do SXSW, pareceu muito interessante para Miguel. “Todas as linguagens se conversam e se complementam, dando ainda mais sentido uma à outra”.
O diretor cita como exemplo disto o uso do storytelling, uma ferramenta de comunicação relacionada a contar histórias e torná-las relevantes. Durante anos, ela foi usada e abusada pelo mundo do marketing e da propaganda, mas também tem alto potencial para a sala de aula.
“Assisti à sessão com o escritor britânico Neil Gaiman (autor de clássicos dos quadrinhos, como Sandman), que além de escrever livros é quadrinista, roteirista e professor, na qual ele falou muito sobre este conceito. Por transitar entre diferentes formas de expressão artística, ele é o exemplo vivo do que podemos chamar de translinguagem”, conta.
Miguel também participou de uma sessão que discutia a intersecção das novas formas de mídia: de que forma o cidadão de hoje consome notícia (newsletter, vídeo, podcasts, TV, streaming etc) e como as grandes empresas de mídia estão fazendo esta transição para algo que antes era mais relacionado ao jornalismo independente. A discussão teve a participação de Kasia Cieplak Mayer, da revista norte-americana The Atlantic e de Jean Ellen Cowgill, do grupo Bloomberg, entre outros.
Ocupação da cidade
O SXSW domina a capital texana durante a sua realização, e isso foi uma agradável surpresa para Miguel. Ainda que seja uma cidade de quase 1 milhão de habitantes, grande parte dos moradores se envolve e participa das atividades. “Claro que não é acessível para todos porque há um custo e é algo que demanda tempo, mas nota-se a mobilização e o interesse”.
Há também uma massiva ocupação do espaço público, com alguns shows ao ar livre, centenas de pequenos eventos paralelos e ações de marketing gigantescas, como a da Amazon Prime Video, que promoveu a nova série Good Omens (que coincidentemente é baseada em um livro de Neil Gaiman), com os atores Michael Sheen e David Tennant.
Houve intervenções por vários pontos da cidade, incluindo um cenário da série construído em um quarteirão. “Isso me lembrou a Comic Con, quando você anda pelos corredores e dá de cara com alguém fazendo cosplay de um personagem. A história é baseada na amizade entre um anjo e um demônio, então você andava pela rua e via várias asas negras ou brancas passando por todos os lados. O interessante é que no SXSW isso transcende o espaço do evento e ocupa áreas de livre circulação, atingindo um número gigantesco de pessoas”, analisa.
Aprendizagens para a sala de aula e para o Instituto Singularidades
Miguel acredita que a diversidade e a riqueza de discursos e ideias do SXSW renderam boas ideias para a formação de professores. “Este conceito do ‘Edutainment’, a combinação da educação com o entretenimento tem de ser cada vez mais abraçado pelos profissionais no Singularidades e pelos professores de forma geral. É isso que chama a atenção do aluno da atualidade e o que dialoga com ele”.
Como nas séries de TV que se tornam fenômenos mundiais de audiência (Miguel dá como exemplo Breaking Bad, que tem uma inusitada cena de abertura, com o personagem principal correndo seminu pelo deserto do Novo México), os professores devem aprender a lançar “iscas” e “criar enredos” para suas aulas, explorando cada vez estas possibilidades pedagógicas ditas não ortodoxas.
Miguel explica que, no Instituto Singularidades, cada vez mais estes recursos serão discutidos e apresentados aos professores, que vêm participando de grandes eventos como a Comic Con e, recentemente, a Campus Party. “A ideia é que eles possam mergulhar nessas fontes e trazer novas propostas para os professores-alunos”, revela o diretor, que voltou do evento com a cabeça a mil.
Miguel Thompson é Diretor Executivo do Instituto Singularidades. Licenciado em Biologia pela Universidade Mackenzie, doutor e mestre em Oceanografia pela Universidade de São Paulo (USP), Thompson também tem um MBA em Marketing pela Fundação Instituto de Administração, da mesma instuição.
Para saber mais: http://institutosingularidades.edu.br/novoportal/
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