A pandemia, seguida pela quarentena e o fechamento das escolas pegou escolas, professores e alunos de surpresa. Para continuar dando seus conteúdos e não comprometendo a aprendizagem dos estudantes, milhares de professores tiveram que mergulhar em novos conhecimentos, usar a criatividade para seguir oferecendo os conteúdos e a lidar com as dificuldades que a abismal desigualdade social do país impõe a quem busca uma educação de qualidade.
Na semana do Dia Mundial da Educação, celebrado no dia 28 de abril, o Instituto Singularidades realizou a webinar A Educação contínua: experiências e desafios dos professores no momento atual, com a presença de cinco professores de diferentes cidades e redes de ensino, mediado por Marcelo Ganzela, coordenador da graduação em Letras da instituição, e pelo presidente do Singularidades, Alexandre Schneider. Você pode ver a íntegra desta importante conversa aqui.
Durante cerca de 1h, com o apoio e comentários dos mediadores, os professores puderam compartilhar suas novas práticas diante desse momento que o mundo vive, suas dificuldades, seus problemas e as expectativas para o que virá quando as aulas retornarem.
Dos participantes, três atuam na Grande São Paulo. Patrícia Minari é professora de espanhol do Colégio Sagrado Coração de Jesus, na Zona Oeste da capital paulista, nas séries finais do ensino fundamental.
Kézia Ventura é alfabetizadora nas séries iniciais do ensino fundamental, na rede municipal de Santana do Parnaíba. Já Fernando Bianco atua como professor de geografia em duas escolas na Zona Leste paulistana, e também leciona no Instituto Singularidades.
De São Luís do Maranhão, as professores Fernanda Vilela e Julie, que ensinam história e filosofia na rede estadual de São Luís do Maranhão, no ensino fundamental II.
Marcelo, um dos mediadores começou o debate com uma questão bastante relevante: quais ações foram tomadas em seus territórios para que a educação não parasse?
Patrícia conta que foi tudo muito rápido: assim que veio a determinação os docentes da escola em que trabalha, os professores se perguntaram o que fariam. A escola já tinha uma plataforma digital , então a primeira ação foi começar a disponibilizar atividades para os alunos por meio dessa ferramenta.
Nas semanas seguintes, os professores já estavam fazendo vídeo-aulas, e na outra, oferecendo aulas síncronas (com a participação dos alunos). “Acho que nestes 45 dias nós crescemos mais que em 10 anos de profissão”, avalia.
Kézia concorda com Patrícia no quesito rapidez da mudança. As atividades em sua escola foram iniciadas por meio do Facebook – ela conta que em Santana do Parnaíba, todas as escolas têm páginas nesta rede social. O passo seguinte foi a utilização do Google Drive e a criação de grupos de Whatsapp para conversas com os pais, disponibilizar as atividades e explicá-las mais individualmente. “Foi uma troca bem bacana, tivemos bom retorno dos pais”, conta.
Na rede pública municipal de São Paulo, as determinações vieram por meio de políticas públicas, conta Fernando. Inicialmente, a rede municipal decretou o recesso escolar para tentar se organizar. “Só que as escolas, mesmo com essa medida, tentaram continuar esse diálogo com os alunos e as famílias por meio das redes sociais, propondo materiais, vídeos, objetos de aprendizagem para continuar mantendo essa aproximação.”
As escolas municipais estão trabalhando com um material impresso, Trilhas de Aprendizagem, que alguns alunos ainda não receberam em suas casas. Além disso, foi disponibilizado o apoio a esse material na plataforma Google Sala de Aula. “Os professores estão tentando se adaptar a esse momento juntamente com os alunos, está sendo bem interessante esse movimento”, conta.
Fernanda e Julie contam que no Nordeste – no caso, na rede estadual do Maranhão – tudo aconteceu de forma muito parecida com a que os outros colegas mencionaram. “Temos vídeo-aulas, que foram gravadas e disponibilizadas em TV aberta e em rádio pelo governo estadual. Também estamos trabalhando com o apoio pedagógico de atividades que são enviadas quinzenalmente ou semanalmente para os alunos”, relatam.
Segundo Fernanda, algumas escolas estão trabalhando com a plataforma Google Sala de Aula, e também utilizando muito o Whatsapp para fazer propor atividades, tirar dúvidas e, principalmente, manter o vinculo com os alunos.
Marcelo comenta que, comparando-se as quatro realidades totalmente diferentes, chama a atenção que todos foram pegos de surpresa e, também, a preocupação com a continuidade da aprendizagem. “Dá para perceber que escolhas institucionais ou mesmo individuais acabaram acontecendo para que isso seguisse”, avalia.
Os muitos aprendizados e desafios
Alexandre perguntou ao grupo que aprendizados eles levariam desta experiência, e se a escola estaria mais ou menos conectada depois da quarentena. Questionou também o feedback e as dificuldades dos alunos diante da nova realidade.
Kézia acredita que a conexão seguirá por muito tempo e nada voltará a ser como antes, pois essa emergência sanitária poderá se estender. “Quanto aos alunos que tiveram prejuízo da sua aprendizagem, vamos ter de dar aula de reforço, seja no contraturno, seja com o apoio de professores assistentes, de alguma maneira nós vamos dar o nosso melhor”.
Para Patrícia, cuja escola já contava com uma plataforma on-line que era complementar, conta que entre seus alunos também foi necessária uma adaptação. “Naquela primeira semana, a ideia era que eles estavam de férias, e aí, aos poucos eles foram se incorporando às atividades que, seguindo orientação da coordenação e diretoria, seguem o horário da escola”, relembra.
A professora revela que, à medida que as aulas síncronas foram entrando na grade, a participação passou a ser de 95 a 98%. “As famílias pedem, elas querem essas aulas, porque é uma forma de envolver mais os estudantes. E eu concordo com a Kézia que nada vai ser igual quando a gente voltar.”
Fernando, que leciona em duas escolas da rede municipal no extremo leste de São Paulo, no Itaim Paulista, percebeu que o maior entrave neste momento é conseguir dar acesso a todos os alunos. “Na verdade, nosso maior desafio é a disparidade social. A gente sabe que isso gera cenários bem adversos, porque a crise sanitária também é uma crise econômica e social”.
O material do Trilhas de Aprendizagem é uma forma de garantir, pelo menos em parte, o acesso a atividades, ao conhecimento, à aprendizagem, conta ele, mas poucos alunos têm conseguido ter acesso à plataforma on-line no Google Sala de Aula e interagir com os professores.
Fernando relata que não só os alunos estão passando por estas questões, mas também os professores, que tiveram de se ajustar ao momento aumentando a sua quantidade de banda larga em casa, ou mesmo trocando de dispositivo, por exemplo.
O professor ressalta que os professores também vêm tentado disponibilizar as atividades de forma multiplataforma. “Além do Google, que muitos têm dificuldade de acesso, mídias sociais, como o Facebook, estamos usando muito o Whatsapp, levando em consideração que o acesso a ele é gratuito em muitos planos de dados das operadoras de celular”.
A experiência de Julie e Fernanda é diferente: elas criaram o Desafio Quarentena, no Instagram assim que começou a quarentena, onde elas propõem atividades que todos os alunos podem fazer, de qualquer lugar. “Nós ficamos muito felizes com o retorno dos alunos, porque usamos uma linguagem mais direta, e eles mandam áudios no Instagram quando têm dúvidas.”
Relacionamento com as famílias e os alunos
Numa pergunta enviada aos mediadores, os professores foram questionados sobre a forma que estão trabalhando o relacionamento e o vínculo entre os alunos, famílias e eles próprios. “Isso vai ser muito importante, manter este vínculo forte entre a família, a escola e os estudantes, para que a gente possa ter uma volta tranquila, e caminhar com os processos entre escolas e estudantes”, assinala o presidente do Singularidades.
Patrícia conta que na escola onde leciona, durante a quarentena a orientadora educacional e a psicóloga vêm montando grupos com os alunos para conversar e lidar com a ansiedade. “O próximo passo será uma reunião de pais pelo Google Meeting, então a novidade será ouvi-los, porque neste período o contato está muito restrito a professor e coordenação”, explica.
Já em Santana do Parnaíba, cidade onde Kézia leciona, a questão da família e da escola sempre foi muito forte. “Eu costumo dizer aos pais dos meus alunos que escola e família são como um corpo humano: duas pernas, dois braços, e se uma das pernas falhar, o corpo vai se cansar. A gente precisa andar juntos. Tendo os pais aos nosso favor, essa aprendizagem com certeza se torna mais eficaz, mais fácil”, esclarece.
Julie conta que em São Luis os professores mantém grupos de Whatsapp com alunos, outros com pais e alunos, mas acredita que é muito bom estreitar esses laços, “porque é o que a gente vai levar para depois deste período”. Outra coisa que ela relata ter feito é apoiar os alunos, que muitas vezes vêm contar a elas sobre dificuldades que não conseguem levar às próprias famílias.
“Além de estimular esse relacionamento da escola com a família, estamos fazendo isso com os próprios alunos e as pessoas que moram na casa deles, e isso têm sido muito importante também”.
No caso de Fernando, que acredita que o modelo que está sendo imposto pela pandemia “derrubou os muros da escola”, e com isso os pais acabaram ganhando um canal direto de diálogo com os professores e com a equipe escolar. “Muitos pais entram em contato com os professores por meio do grupo do Whatsapp ou do próprio Google Sala de Aula. Então, de forma quase orgânica aconteceu este estreitamento, que vai acabar gerando coisas boas nos próximos semestres”, aposta.
A desigualdade, o maior desafio dos professores da escola pública
Por unanimidade, quando perguntados o que tem sido mais difícil nesta fase, todos os professores da rede pública citaram a dificuldade de acesso a recursos, como internet e impressora, que dificultam a aprendizagem dos alunos.
Fernanda e Julie contam que têm visto muitos professores que pedem para os alunos baixarem aplicativos para fazerem atividades, ver vídeos no Youtube, o que “é uma experiência muito legal, mas que nem sempre funciona para toda gente”.
Por isso, as professoras optaram por usar usa basicamente o Whatsapp, que é um aplicativo democrático, que está em todos os celulares e, por isso tem uma aderência muito maior.
Fernanda conta que muitas vezes envia atividades em formato PDF, mas alguns alunos não conseguem abri-lo, porque precisam de aplicativos que eles não tem em seus celulares. “Aí eles vêm, falam comigo, e eu tiro prints das páginas e mando para eles.”
Kézia concorda com as colegas do Maranhão. “O problema aqui é o mesmo, é o acesso à internet dos pais, que acaba afetando os filhos. Também temos o material físico que é entregue bimestral, mas aí cai de novo no acesso, porque muitos não conseguem vir buscar”.
Patrícia, a única professora da rede privada presente na webinar, admite que sua realidade é diferente, com todos os alunos tendo acesso à internet. “Mas eu sinto que só vou saber o que funcionou de fato no retorno”.
De seu lado, Fernando concorda com todas as outras professoras da rede pública no que se relaciona ao acesso à internet. “O que eu sinto falta é de ver qualquer política pública destinada a alunos deficientes para fazer este tipo de atendimento. Eu acho que isso não deve ser apenas um problema da rede pública, mas da privada também. É uma questão que vem sendo discutida, mas que até agora não nos deu um retorno concreto”.
Alexandre e Marcelo encerram a webinar agradecendo a participação dos professores de realidades tão distintas, e ressaltaram a importância do compartilhamento de informações e de professores falando com professores, dessa troca tão necessária.
Veja a webinar na íntegra no nosso canal do Youtube e conte para a gente o que achou e sentiu a respeito das questões levantadas pelos professores e mediadores!
Para saber mais: http://institutosingularidades.edu.br/novoportal/
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