“Inovar é pensar na diversidade da sala de aula e transformar essa pluralidade em prática pedagógica. É analisar as visões de mundo que os alunos têm e potencializar isso no cotidiano escolar.” Essa frase é da professora Mayana da Silva, que, ao lado da também docente Fernanda Martins, ministra o curso de extensão Gênero e relações étnico-raciais no âmbito da educação para crianças e adolescentes, no Instituto Singularidades.
Juntas, elas estudam, pensam, discutem e mostram a outros profissionais da educação a necessidade de tratar questões de inclusão nas instituições de ensino. Historicamente, tais conceitos foram sendo transformados, saindo da ótica exclusiva do conceito de gênero visto na psiquiatria na década de 1950 e tomados pelos estudos feministas na década de 1970, até chegar às articulações sobre raça, nacionalidade, religião e sexualidade nos anos 1990.
“Ali, é quando se começa a pensar, de um jeito mais complexo e mais amplo, nessas categorias sociais e na forma como funcionam interseccionalmente na sociedade”, conta Fernanda.
No cenário atual, o que se vê são argumentos desprovidos de base teórica, que questionam movimentos chamados de ideologia de gênero e uma possível doutrinação dos alunos. Para a professora Fernanda, o que está em jogo “é um contra-ataque, uma tentativa de barrar um debate muito potente e que permite uma reflexão profunda, além de mudanças de leis e práticas sociais. Hoje, já não é mais possível barrar essa discussão, porque até os alunos falam de gênero e tudo mais em sala de aula”.
“A educação não se dá somente na escola, ela é um processo que envolve diversos atores, como família, comunidade, espaço religioso. Temos que pensar em articular esses ambientes para questionar a dominação, as hierarquias e as desigualdades. Esse é um momento de fortalecimento coletivo”, comenta Mayana.
Descolonização do currículo
Um dos temas que as professoras levantam dentro dessa temática é a descolonização do currículo escolar. Esse processo inclui uma ação muito valiosa: colocar os alunos em contato com bibliografias e histórias pouco estudadas, de autores oriundos de grupos vistos socialmente como marginalizados. Mayana observa que apresentar conhecimento produzido por esse conjunto de pessoas amplia as visões de mundo e enriquece a sala de aula.
“Quando a gente pensa nossa formação como educadores, percebemos que o conhecimento é muito sedimentado, baseado, principalmente, em teorias que vêm da Europa. Temos pouco conhecimento do que é produzido por quem está à margem. Fazer essa reflexão como gestor e professor ajuda a descolonizar o currículo e repensar a prática pedagógica e profissional.”
Abordar tais questões, entretanto, passa pelo cuidado de ao frisar as diferenças sociais e os discursos produzidos por aqueles que são entendidos como subalternos socialmente, não ir para um outro polo da discriminação que passa pela exaltação e um entendimento exótico desses grupos sociais, lembra Fernanda. É preciso, desse modo, colocar diversos modos de produzir conhecimentos lado a lado.
O assunto também preocupa quando se lança um olhar sobre as diretrizes traçadas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Para a professora Mayana, é necessário considerar a diversidade entre os jovens ao montar um currículo nacional.
Esse não deve unificar, igualar ou mascarar as diferenças. “Nesse sentido, o papel do gestor é fundamental, como o profissional que vai fazer um diagnóstico dentro da escola e da sala de aula junto com os professores. É importante que a base considere as diferenças e que isso seja trazido para discussão na escola e na sociedade. É uma oportunidade boa, mas precisa de equilíbrio”.
Diversidade: aprender, dialogar e educar
O curso sobre Gênero e relações étnico-raciais no âmbito da educação para crianças e adolescentes nasceu da necessidade que as professoras sentiam de discutir esses temas em sala de aula de forma apropriada e responsável. Mayana diz que as conversas acontecem dentro da sala de aula, entre os alunos, mas nem sempre os professores se sentem preparados para lidar com elas.
“Construímos a ideia de que precisávamos fortalecer e potencializar o trabalho de professores e outras pessoas que atuam na educação ou que, simplesmente, querem entender melhor o tema. Às vezes, é um aluno rejeitado pelo tipo de cabelo que tem ou que sofre racismo na escola. A gente tem que saber ajudar professores e profissionais da educação para que saibam encaminhar e lidar com essas situações.”
Fernanda complementa: “Esse debate surge no cotidiano o tempo todo. Questões de raça e gênero são formadoras de quem somos, não só dos alunos, mas de todos no cotidiano escolar”.
Segundo ela, um dos diferenciais do curso é proporcionar ferramentas para que todos possam repensar a si mesmos. É aberto para todos que querem entender como a educação pode manter ou construir caminhos para erradicar as desigualdades na escola e, muito além de seus muros, na sociedade.
Mayana Hellen Nunes da Silva é doutoranda no Programa de Antropologia Social da Universidade Estadual de Campinas e mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Maranhão, com foco em gênero, sexualidade, mídia, violência em relações de gênero, mercado do sexo, trânsitos e marcadores sociais da diferença. É graduada em História pela Universidade Federal do Maranhão, na qual integra o grupo de estudos em Gênero, Memória e Identidade. Atua ainda como assistente técnica da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente.
Fernanda Kalianny Martins é doutoranda em Ciências Sociais na Universidade Estadual de Campinas, graduada em Ciências Sociais e mestra em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo. Integra como pesquisadora o Núcleo de Estudos sobre Marcadores Sociais da Diferença (NUMAS/USP) e o Núcleo de Estudos de Gênero PAGU/Unicamp. Desenvolve pesquisas na academia e no terceiro setor sobre gênero, raça, sexualidade e violência. É biógrafa da deputada estadual e sambista Leci Brandão. Atua como educadora e consultora para diferentes públicos e instituições.
Para saber mais: http://institutosingularidades.edu.br/novoportal/produto/genero-e-relacoes-etnico-raciais-no-ambito-da-educacao-para-criancas-e-adolescentes/
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