Estamos chegando ao fim de um ano atípico, no qual pessoas recolheram-se em suas casas (quando possível, dada a imensa desigualdade social brasileira) os convívios foram reduzidos, e empresas, comércio e escolas, fechados por tempo indeterminado.
Ainda que não tenha acabado totalmente – mas já haja esperanças quanto a isso, como o advento de uma futura vacinação– a pandemia da Covid-19 fez com que educadores, estudantes, suas famílias e a comunidade escolar como um todo buscassem criar e adaptar-se a novas formas de seguir educando, aprendendo e apoiando-se, ainda que remotamente.
No momento em que muitas escolas das redes públicas e privada já retomaram as aulas presenciais e outras ainda estejam preparando-se para isso, as discussões em torno do acolhimento da comunidade escolar neste novo momento têm sido constantes, cheias de dificuldades, mas também de possibilidades e potencialidades.
Para Tathyana Gouvêa, professora do curso de Pedagogia do Instituto Singularidades, mesmo que algumas etapas já tenham sido vencidas e novos aprendizados tenham sido conquistados, o cenário ainda é bastante incerto e com informações divergentes. Entretanto, o caminho rumo a um retorno é possível, e passa por um diagnóstico cuidadoso e individualizado de cada aluno, família e comunidade escolar.
A partir desta análise, aponta Tathyana, surgirão soluções construídas coletivamente, que serão fundamentais para que todos os envolvidos nesta travessia a façam de forma mais segura e tranquila. “São diagnósticos que, de alguma maneira, já vem sendo feitos. As escolas que ainda não o puseram em marcha precisam fazê-lo, por que é por meio deste processo que conseguiremos criar um bom plano de ação da volta às aulas. Com base nisto, se fizermos um diagnóstico que contemple cada situação, família e aluno, mais personalizada e mais coerente será a nossa tomada de decisão”, aponta.
Durante a pandemia, muitas famílias passaram pelo luto, pelo desemprego, por mudanças de casa e cidade ou, ainda, por situações de violência doméstica. Segundo a professora, cabe aos educadores, por meio do diagnóstico, entender quais são os casos de seus alunos, olhando de forma individualizada para a situação real de cada um.
“A partir desta avaliação, vamos fazer um plano de ação, entendendo de quais profissionais de apoio precisaremos, como psicólogos e assistentes sociais. Também teremos que saber se houve evasão escolar e se faremos um trabalho de busca ativa desses alunos. Um diagnóstico bem feito, que contemple aspectos práticos, operacionais, emocionais e sociais nos permitirá fazer um melhor trabalho”, explica.
O acolhimento e a aproximação da família com a escola
A professora traz à tona um fato que vem sendo observado em várias escolas (de todas as redes), em diferentes cidades e estados ao longo deste período em que estivemos isolados. Com muitos pais em casa com seus filhos, a pandemia trouxe as famílias para mais perto da escola. Surgiu mais interesse e compreensão de como funciona o ambiente escolar, e de que forma os conteúdos são ensinados e aprendidos pelas crianças e jovens.
Tathyana defende que essas relações e laços tão importantes, que foram construídas durante o isolamento, mantenham-se por meio de um intenso e estreito diálogo, que inclua famílias, alunos, professores e funcionários.
Para que essa relação resista e persista, a escuta deve ter um papel central no fortalecimento da sensação de pertencimento e acolhimento. “Não basta apenas a escuta: é preciso que a comunidade perceba que foi ouvida, que as decisões foram tomadas considerando as vozes das crianças, famílias, professores e funcionários. O acolhimento vem quando damos espaço para o outro falar, expressar seus sentimentos, suas dificuldades e suas necessidades”, ressalta Tathyana.
Novos procedimentos: e agora?
Dentro do campo das incertezas, que são muitas, algumas crianças, principalmente as menores, têm temores e dúvidas sobre como portar-se em sala de aula e seguir os novos procedimentos que todas as escolas deverão encampar. Já outras não veem a hora de voltar para a escola, reencontrar os amigos, brincar e retomar o convívio que tinham antes, o que não será possível neste momento. Caberá aos educadores guiá-los de maneira particular, pensada em cada membro do seu grupo escolar.
Tathyana sustenta que essas mudanças não serão rapidamente aprendidas, que deverão ser repetidas e relembradas todo o tempo, mas que trazer a ludicidade para esse aprendizado pode ajudar muito. “Temos de ir mostrando esse novo ambiente, introduzindo as pessoas nessa nova realidade. Tudo isso com muito diálogo e empatia, já que, de alguma maneira, somos todos sobreviventes neste momento e, alguns, de processos mais difíceis, de perdas”, enfatiza.
O distanciamento social, comenta a professora, reforçou que um dos aprendizados desta situação difícil tenha sido a valorização das trocas e dos relacionamentos, do treino de um olhar mais empático, e do trabalho com as possibilidades de criar e se reinventar diante das dificuldades.
O que fazer de forma prática
Rodas de conversa, questionários enviados às famílias, dinâmicas e atividades que trabalhem outras habilidades expressivas (como as artísticas) são algumas das propostas que a professora indica para colocar o retorno (não nos termos do que era antes, mas dentro do que foi, repetidamente, apontado como a “nova normalidade”) em andamento.
“Tanto as rodas de conversa com crianças e educadores quanto questionários podem ser enviados para as famílias, para que elas respondam quais são seus principais receios, inseguranças e dúvidas. Devemos abordar questões sobre quais os procedimentos estão sendo adotados em suas casas, se eles tiveram alguma situação de luto na família, qual é a sensação que eles têm desse momento, se já estão mais tranquilos com as saídas, entre outras”, sugere.
Além de estimular que as crianças e adolescentes verbalizem seus sentimentos de medo, dúvida ou insegurança, Tathyana ressalta as outras maneiras de se trazer à tona esses sentimentos e expressar a escuta, principalmente no que se refere às crianças menores.
“Podemos usar o desenho, as representações e as brincadeiras para entender como esse momento foi vivido por elas. É interessante também fazer algumas dinâmicas e atividades que olhem e cuidem disso. Um dos momentos de retomada deverá ser o de escutar, e precisaremos de vários encontros para nos permitir ter uma escuta mais qualificada dessas crianças e jovens”.
Para a professora, tão importante quanto as rodas de conversa conduzidas pelos professores e orientadores com os alunos e suas famílias são os acompanhamentos dos professores pelos coordenadores, e também dos diretores junto às equipes de gestão e demais funcionários.
No caso do apoio aos docentes, as reuniões pedagógicas ocuparão um papel ainda mais central no acolhimento às dores dos professores. Estes encontros serão, mais que nunca, momentos de se entender como apoiar um ao outro, e em que cada um sinta-se parte da construção de uma solução.
“A escola sempre foi uma rede de apoio em muitas esferas da sociedade, mas agora ela precisa mostrar essa característica de maneira ainda mais forte. Isto porque os vínculos devem estar muito próximos para que consigamos fazer essa transição na volta para o mundo ‘normal’”, avalia a professora.
Mesmo com todos esses procedimentos em vista, é necessário ter em mente que o futuro é incerto, e que transmitir segurança e certeza é impossível diante de um cenário nebuloso. Para Tathyana, a união e o suporte entre todas as redes de apoio que compõem a comunidade escolar é o amálgama mais forte deste processo.
“Precisamos sustentar a incerteza, passando a mensagem de que ninguém está sozinho ou vai se prejudicar pelas decisões que a escola tomar. Mostrar para a comunidade que estamos fazendo isso e vivendo esse momento da melhor maneira que podemos, todos juntos”.
Ninguém tem respostas prontas, estamos todos em busca de novas propostas e, por isso, uma boa comunicação é tão importante. Será por meio de uma forma de comunicar-se clara, verdadeira e francamente que os vínculos serão reforçados, e as inseguranças reduzidas. “Ninguém sabe com certeza o que tem de ser feito. É um momento para criarmos coletivamente essas soluções”, finaliza a docente.
Tathyana Gouvêa é graduada em Pedagogia pela Universidade de São Paulo (USP) e em Administração pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP). Também é doutora em Inovação Educacional pela USP mestre em Gestão Escolar pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). É professora da graduação em Pedagogia do Instituto Singularidades.
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