A natureza sempre foi inspiração para a literatura, a pintura, a fotografia e tantas outras formas de arte. Mas a ciência, a matemática, o design e a robótica foram ainda mais longe, buscando na observação das estruturas biológicas, em suas funções e seu funcionamento um ponto de partida para a criação e projetos e soluções de problemas.
Conhecida como biomimética (dos grego, bios, vida, e mimesis, imitação), esta área multidisciplinar do conhecimento implica em observar para compreender melhor a engenhosidade das diversas formas de vida, usando-as como referência para diversas áreas.
“Ao se olhar para a natureza, resolve-se problemas práticos de todos os tipos, e este momento da observação é fundamental para a biomimética, para a partir disso criar uma conexão entre as tecnologias da natureza e a humana, explica a bióloga Alessandra Araújo, diretora da bio-inspirations, uma das poucas especialistas nesta área tão nova no Brasil.
Há seis anos, a Revista Forbes listou a biomimética como uma das grandes tendências de conhecimento e tecnologia, ao lado do big data e da internet das coisas. Na arquitetura, por exemplo, esta disciplina é um grande referencial na busca por soluções em habitação, cidadania e convivência que sejam eficientes, duráveis e confortáveis.
Já na sociologia e na geografia, estudar a organização das sociedades animais – como a das formigas, por exemplo – ajuda na compreensão das estruturas sociais humanas e na inspiração que pode vir dessa observação natural.
A biomimética, explica Alessandra faria, então, a ponte entre a natureza e as demandas do homem contemporâneo. Outra área na qual é possível observar essa relação é na robótica, que está diretamente ligada às ciências exatas.
Esta área recebe influências da natureza desde os seus primeiros estudos, e um exemplo de como isso se dá pode ser observado no Biomimetic Robotic Robotics Lab (MITMECHE), chefiado pelo cientista coreano Sangbae Kim, que desenvolve robôs para múltiplos usos (domésticos, industriais e sociais) inspirados nas formas e tecnologias da natureza.
A medicina também se beneficia da biomimética. O desenvolvimento de músculos artificiais para substituir outros danificados por doenças foi inspirado no movimento de vários animais bípedes, como os macacos e aves. Essa pesquisa foi desenvolvida por um grupo de vários estudiosos, entre eles o brasileiro André Rosendo, da Universidade de Cambridge.
Rosendo também desenvolveu pesquisas na área da inteligência artificial, tendo como base máquinas que são capazes de reproduzir a relação criadora de uma mãe, gerando outros “seres” iguais – um robô grande que “constrói” outros pequenos.
Este último estudo tem como foco entender como surge a inteligência nas máquinas e como elas poderão, no futuro, executar atividades complexas, como tomar decisões.
No Brasil, temos como exemplos significantes, como o Nuclerário, um aparato que buscou na natureza sua forma e funcionalidades para promover a liberação controlada da água da chuva por meio da capilaridade na época da estiagem, garantindo maior resiliência em reflorestamentos, principalmente em locais de alta incidência de radiação solar. Também aumenta a chance de sobrevivência das mudas e diminui a utilização de inseticidas.
Outro projeto interessante é o Hotel Vutu, na praia de Algodões, na Península de Maraú, na Bahia, onde por meio da inspiração na biomimétrica criou um ambiente com um excelente aproveitamento do vento, tornando a temperatura no hotel naturalmente amena, além do formato dos bangalôes haver sido inspirada numa forma de cacto (0 saguaro), que permite que o lugar tenha diferentes áreas de sombra ao longo do dia. Ambos projetos foram desenvolvidos pela bio-inspirations e parceiros.
Algoritmos e biomimética
Alessandra explica que muitos algoritmos matemáticos tem como inspiração a observação da natureza. Ela dá como exemplo uma comunidade de abelhas. A quantidade de produção de mel desses animais, a partir de qual tipo de flores ela irá acontecer, a quantia diária que deve ser elaborada e a comunicação entre os diferentes “atores” desta linha de produção geram um algoritmo, que pode ser aplicado a diferentes indústrias, servindo como base de cálculo de produtividade.
Outro exemplo dado por Alessandra de como a natureza pode gerar algoritmos foi o projeto Silk Pavillion, do Massachussets Institute of Technology (MIT). O ousado experimento tinha como objetivo explorar a relação entre a fabricação digital e a biológica nas escalas de produtos e arquitetônicas.
Com uma estrutura principal criada com 26 painéis poligonais feitos de fios de seda desenvolvidos por uma máquina controlada numericamente por computador (CNC), bichos-da-seda criaram um casulo em 3D a partir de um único fio de seda, com várias propriedades e espessuras (com medida total de 1 km de comprimento), gerando um algoritmo que forneceu vários elementos sobre a densidade do material produzido e oferecendo margem para a futura utilização destes materiais na arquitetura. Foram usados 6.500 insetos neste experimento.
E onde pode entrar a biomimética na educação?
Não é apenas na educação superior que a biomimética pode ser utilizada. Marjan Eggermont, da Universidade de Calgary, no Canadá, defende o uso deste retorno à natureza para solucionar problemas, e pensar nela como um modelo ou uma medida. A metodologia STEAM (do inglês Science, Technology, Arts and Mathematics), por exemplo, pode usar da biomimética na construção de modelos que utilizem conceitos que estão sendo trabalhados em sala de aula.
Também tendência na educação atual, a cultura maker, que também segue o princípio do construir modelos, testá-los e melhorá-los a biomimética pode ser aplicada com bons resultados. Formas e raciocínios observados nos animais – das centopeias aos elefantes – podem ser utilizados em diversas atividades e projetos.
Alessandra Araújo alerta também que, como a já tão conhecida abordagem Design Thinking já existe a BiomimicryThinking, ou o design baseado no meio na inspiração das estratégias da naturezapara solução de desafios. “Analisamos o problema, aprofundamento no entendimento com a visão da essência do problema, buscamos a correlação na natureza como ela resolve este desafio e nos inspiramos para obter as novas idéias, inovações e soluções. O processo gera engajamento na equipe e tudo nasce de co-criação: esclarece.
Ainda pequena, a utilização da biomimética tem um grande potencial de crescimento com a nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e pode acrescentar elementos instigantes, engajadores e divertidos para as aulas. É mais uma opção interessante que o professor do século XXI poderá lançar mão dentro dos próximos anos.
“O entendimento de que somos também natureza pode trazer muitos ganhos para a nossa compreensão dela e, por consequência, para o que aprendemos e ensinamos”, explica a bióloga, que junto à sua empresa oferece vivências e saídas na natureza para alunos e professores. Alessandra também dá aula no dou aula na Echos Laboratório de Inovação, em São Paulo, e Schumacher College, na Inglaterra.
Para saber mais: https://institutosingularidades.edu.br/novoportal/
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