Brincar é uma prática social, cultural e biológica. Olhar para esses três aspectos nos proporciona elevar essa prática a um sinalizador de desenvolvimento saudável para as crianças, fortalecendo o papel dos educadores.
Brincar é social, pois envolve o outro, o eu, a imaginação e a resolução de problemas. Brincar é cultural, pois varia conforme a região, as tradições e os costumes.
E o brincar é biológico, pois é motivado de forma intrínseca (Rubin e Smith, 2018). É também uma forma de prazer animal que promove o físico (Pellis et al, 2014), e uma maneira de interação com o meio que é provocada pelos sentidos.
Nas últimas décadas, ouvimos de muitos especialistas que brincar é muito importante para o desenvolvimento infantil. Escutamos que este ato colabora para o desenvolvimento integral das crianças, pois proporciona diversos cenários que envolvem habilidades como relacionar-se com os pares, movimentar todo o corpo ampliando linguagens de expressão, criar e imaginar.
O brincar como forma de se relacionar com o mundo
No universo infantil existem centenas de formas de brincar. Brincadeiras como jogo simbólico, que envolvem a “imitação” do real, brincadeiras de luta (rough and tumble play), brincadeiras coletivas, individuais, de correr, esconder, com bolas, sem bolas, guiadas e livres. Porém, todas elas têm duas coisas em comum: o movimento, que por menor que seja está sempre presente, e a alegria (prazer) que proporciona.
Segundo Rubin e Smith (2018), o brincar é motivado de forma intrínseca, ou seja, é a participação ativa em atividades prazerosas que permitem uma investigação sobre como interagir com o mundo à nossa volta.
Como seres e sujeitos de sua própria história, o que as crianças mais querem é brincar, pois isso proporciona não somente prazer e alegria, mas também conhecimento de mundo.
Segundo Pellis (2014), em um estudo comparativo, uma das funções do brincar para o animal que brinca é evolucionária, uma vez que estimula o prazer e, consequentemente, desenvolve o físico.
Segundo os autores, além de promover o desenvolvimento das funções executivas; controle inibitório, memória de trabalho e flexibilidade cognitiva; brincar, principalmente através do movimento, esse ato ajudará o cérebro a se adaptar a diferentes situações.
Neste estudo, viu-se que uma das funções do brincar movimentando-se é oferecer benefícios imediatos, tanto em pessoas quanto animais jovens e adultos. O mesmo estudo mostra que, dos animais que brincam, 50% ou mais, continuam fazendo-o enquanto adultos. E aqui está o que não vemos quando uma criança brinca, os benefícios imediatos.
Um dia inteiro para brincar
Mesmo alertados por especialistas sobre a importância do brincar, muitas escolas, professores e pais ainda reservam pouco espaço para essa atividade essencial no desenvolvimento humano, substituindo-a por outras voltadas para o desenvolvimento de outras habilidades acadêmicas que o prepararão para o futuro.
Observando este declínio no tempo reservado às brincadeiras na rotina de crianças e adolescentes, o pesquisador e psicólogo norte-americano Peter Gray reforçou a urgência do resgate do brincar neste TedTalk, em 2014, em que ele relaciona o peso das atividades escolares na rotina dos estudantes, a sensação de insegurança por parte dos pais – que não se sentem seguros ao deixar seus filhos brincando fora de casa – à falta do brincar na vida infantil atual.
Movidos por esse chamado, três educadores da Califórnia – Eric Seibel, Scott Bedley e Tim Bedley – lançaram no ano seguinte (2015) o Global School Play (ou Dia Global do Brincar na Escola).
Ainda que seja apenas um dia no ano (sempre no mês de fevereiro) em que os estudantes da educação básica deixam de lado as atividades acadêmicas para entregar-se às brincadeiras, a ideia da iniciativa é um alerta para a comunidade escolar. Neste ano, a 6ª edição aconteceu nesta semana, no dia 3 de fevereiro, com participação de escolas de todo o mundo.
O adulto que será a criança que brinca
E aqui me questiono: será que precisamos sempre estar tão focados no desenvolvimento futuro? Será que olhar para a alegria que a brincadeira desperta nos mais novos, ou em nós mesmos, já não seria suficiente para querermos que eles brinquem? Uma criança feliz será qual tipo de adulto?
Durante a brincadeira, sabemos que tanto a criação como a interação são resultados do movimento do corpo, tanto livre como guiado, que proporcionam alegria. As emoções nos preparam para aprender, e a alegria provoca de forma positiva nas regiões do cérebro responsáveis pela alta cognição, como o córtex pré-frontal, com altos níveis de dopamina associados a emoções positivas.
Pensar que as crianças utilizam os sentidos para brincar parece simples, mas pode ser revelador ao observarmos cuidadosamente esta prática. O que te faz sentir muito bem? Cozinhar? Meditar? Correr?
Aqui faço uma analogia do brincar com práticas prazerosas para o adulto que já não brinca, mas sente. Cozinhar, meditar e correr são práticas que nos dão prazer, nos fazem bem física e emocionalmente. Consequentemente, nos desenvolvemos a partir delas. Você se torna melhor cozinheiro, melhor praticante de meditação e um ótimo corredor.
Mas como medir o desenvolvimento pelo brincar? Que tal começarmos pelo agora? Simplesmente pelo momento de alegria que essa atividade proporciona. O brincar com intenção e atenção do professor, com o apoio das ciências humanas e biológicas e com a validação das escolas e famílias.
Pesquisas e estudos em neurociências e brincar
Para Painágua e Palácios (2008), infância e brincadeira são sinônimos. Os mesmos afirmam que brincadeira não é apenas diversão, mas também descoberta, consolidação e aprendizagem sobre coisas e relações.
Assim, me arrisco a afirmar que a brincadeira é uma forma de produção de conhecimento em movimento e, consequentemente, a infância é um momento para se movimentar.
Na escola, o movimento, como atividade física, precisa estar em conexão com as outras áreas de conhecimento, para proporcionar experiências reais de engajamento e aprendizagem.
Diamond (2015), afirma que as pesquisas nesta área ainda precisam de mais dados para afirmar todos os benefícios da atividade física, porém, complementa que a mesma, alinhada a outros aspectos humanos como a alegria, o significado e autoconfiança, são aquelas que promovem o real desenvolvimento das funções executivas.
O documento da Fundação Lego (2017) Neurociência e aprendizado através do brincar: uma revisão das evidências descreve cinco características essenciais que proporcionam experiências de aprendizagem por meio da brincadeira, que são alegria, significado, interação social, interatividade e engajamento ativo.
Segundo o mesmo documento, brincar permite uma interconectividade entre as áreas do cérebro, relacionando cada característica a redes neurais, incluindo o sistema de recompensa, memória, flexibilidade cognitiva e regulação emocional. Estas são redes neurais que preparam o cérebro infantil para um desenvolvimento posterior.
Essas mesmas redes neurais, que ainda estão presentes no adolescente, no adulto e ficam conosco para sempre, são estimuladas pelas experiências que nos trazem prazer.
E então porque o adolescente e o adulto não brincam mais? Será que não o fazem mesmo? O professor quando brinca, um ser brincante por natureza e necessidade, deve ter a liberdade de ser e fazer a brincadeira o tempo todo, na sala de aula e fora dela.
Valorizar o brincar como uma prática que traz benefícios imediatos para as crianças, além daqueles que trarão benefícios para o futuro, pode ser transformador para educação.
Maíra Britto Namura é formada em pedagogia pela Universidade de São Paulo (USP) e professora de Educação Infantil Bilíngue há 12 anos. É aluna da pós-graduação “Neurociência na Escola” do Singularidades, e também investigadora do desenvolvimento infantil, do brincar e da formação de professores.
Para saber mais: http://institutosingularidades.edu.br/novoportal/produto/neurociencia-na-escola-2/
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