No começo do mês de junho, o Instituto Península divulgou os resultados da segunda fase da pesquisa Sentimento e percepção dos professores brasileiros nos diferentes estágios do coronavírus no Brasil. Esta etapa foi realizada entre 13 de abril e 14 de maio de forma on-line, com a participação de docentes da Educação Básica de todo o país, para entender os sentimentos e percepções dos professores durante a pandemia.
Durante a primeira etapa da pesquisa (quatro no total), que aconteceu entre 23 e 27 de março, foram coletadas respostas de professores e professoras da Educação Básica de todo o Brasil, da Educação Infantil ao Ensino Médio, além da Educação de Jovens e Adultos (EJA) e o ensino técnico, como contamos aqui. A segunda fase, ou Intermediária, foi realizada 2 semanas e 2 meses depois disso. A terceira, ou Final, acontecerá entre 3 e 4 meses após a suspensão das aulas, e a quarta, a Retomada, após 4 meses de suspensão.
O levantamento da primeira fase mostrou que de cada 10 professores, 7 já haviam mudado muito ou totalmente suas rotinas, e que a saúde dos seus familiares e a disseminação de informações de combate ao vírus eram grandes preocupações. Enquanto as redes federais, estaduais e municipais começavam a paralisar suas aulas presenciais, as privadas já buscavam formas de manter o suporte à distância.
Além disso, a organização da vida familiar e do estudos passavam a ocupar posição importante na rotina dos docentes, e naquele momento, já surgiam os primeiros sinais de impacto sobre a saúde mental.
Nesta segunda fase, 80% dos participantes da pesquisa eram professores, 10% coordenadores pedagógicos, 6% diretores escolares e 4% professores auxiliares, assistentes ou estagiários. Geograficamente, a maior parte deles vive e trabalha na Região Sudeste (45%), 18% na Nordeste e na Sul, 11% no Centro-Oeste e 8% na Norte.
Dos entrevistados, 75% são do gênero feminino e 25% do masculino, com prevalência de idade entre 30 e 39 anos (35%); 32% entre os 40 e 49; 19% com mais de 50 anos e, finalmente, 14% entre os 18 e os 29 anos.
Das etapas escolares em que lecionam, a maioria atua no Ensino Fundamental II (44%), seguida por 37% no Ensino Fundamental I; 36% no Ensino Médio e 22% na Educação Infantil. A rede municipal de ensino é onde atua a maior parte dos participantes (45%), seguido pela estadual (41%), a privada (12%) e a federal (2%).
Professores ansiosos e preocupados
Se na primeira fase o bem-estar emocional dos educadores já dava sinais de abalo, depois de seis semanas de quarentena o quadro mostrou-se ainda mais forte. Entre os educadores de todas as redes, 67% se declararam ansiosos, 38% cansados e 35% sobrecarregados. Outros 36% disseram estar entediados, 27%, frustrados, 19% solitários e 17% deprimidos.
Sensações otimistas são menos presentes, mas também foram citadas pelos participantes da segunda etapa: 23% se disseram calmos, 8% felizes, 7% satisfeitos e apenas 3% realizados.
Em relação à preocupação com a saúde, a maior parte dos educadores conta se sentir mais preocupado com a da família que com a sua própria. Em números totais, 35,% comentou sentir muita preocupação pelas condições de saúde de sua família, enquanto 28% relatou temer muito por sua saúde mental, e 32%, com a física.
Quanto aos dados relativos às redes de ensino, na estadual os professores se disseram mais preocupados com os familiares (33%). Na municipal, esta cifra é um pouco menor (32%), assim como na privada (30,9%).
Quando se trata das próprias condições de saúde física e mental, a ordem segue a mesma. Os professores da rede estadual dizem-se mais afetados por esse sentimento (33%), seguidos pelos da municipal (32,8%) e um pouco menos na privada (30,9%).
Em se tratando do bem-estar mental, a ordem muda: os mais preocupados com este aspecto são os educadores da rede privada (29.5%), com os da estadual (28,5%) em segundo lugar, e os da municipal (27,6%) por último.
Falta de apoio para as aulas remotas
Muitas dessas sensações de ansiedade e preocupação vêm do fato de os educadores de forma geral (88%) nunca tinha dado aula de forma remota e, por isso, disseram sentir-se nada ou pouco preparados para lecionar desta forma (83,4%). Na amostragem por rede, 86% dos docentes da municipal se sente nada ou pouco preparado para o ensino on-line, enquanto na estadual e na privada este número é de 82%.
Por fase escolar, os professores da educação infantil encontraram mais dificuldade para as aulas on-line, declarando-se pouco ou nada preparados (89%), muito pelo fato de que manter a atenção de crianças menores em atividades remotas é um grande desafio.
Dos docentes do Fundamental I, 30,8% comentaram sentir se nada, e 55,2% pouco preparados para lecionar de forma remota; no Fundamental II, os números são de 22,4% e 57,7%, respectivamente. Já no Ensino Médio, 19% se disseram nada, e 58% pouco preparados.
Para além do sentimento de preocupação e da falta de preparo, grande parte dos professores se queixou de não haver recebido nenhuma forma de treinamento para o ensino à distância e, tampouco, apoio emocional para lidar com as dificuldades decorrentes desta nova realidade.
A rede citada como a que mais ofereceu suporte aos professores para que eles lidassem com seus sentimentos foi a municipal (77%), seguida pela estadual (74,9%) e a privada (70,5%).
Quanto ao suporte e ao treinamento, os professores consultados na rede municipal contaram haver tido mais acesso a este recurso (63,7%). Na privada, o mesmo é citado por 47.3% dos entrevistados. Perguntados sobre qual tipo de ajuda considerariam mais importante naquele momento, 74,5% dos professores de todas as redes e etapas do ensino citaram o apoio e o treinamento para o ensino a distância, em seguida, o suporte pedagógico para auxiliar os alunos (64.4%) e, por fim, a ajuda psicológica e emocional (55,2%).
Acesso à tecnologia e contato com os alunos
Uma questão bastante relevante que foi tema da pesquisa foi a falta de equipamentos exclusivos para o trabalho do professor. Dos consultados de todas as redes e etapas, 90% possuem notebook, mas 38% compartilham o equipamento com a família. Dificuldade semelhante é relatada por alunos em todo o país.
Outros 46% dos professores citaram ter um computador desktop, e 27% dividem-no com outras pessoas que vivem na mesma casa. Já o celular é mais presente: 99% possuem este aparelho, enquanto 11% compartilham seu uso com outros membros da família. O tablet é o menos utilizado: 25% dos consultados possuem esse aparato, e 7,5% o compartilham com outra pessoa.
A respeito do contato aluno-professor, observando se o total dos entrevistados, os docentes da rede privada têm tido mais oportunidades de contato com os alunos que os da pública. Esse contato se dá mais frequentemente por meio do aplicativo Whatsapp (83%) e pelas redes sociais (44%).
Ao analisarmos os dados por rede de ensino, nas públicas (estadual e municipal), o contato por meio do aplicativo é maior (88% e 85%), enquanto na privada cai (56%). As redes sociais também são mais usadas pelas redes públicas (49% na estadual e 40% na municipal), e menos na particular (33%).
Por outro lado, um ponto que chama a atenção para a desigualdade e a oferta de recursos usados no ensino a distância é que, nas escolas privadas, a utilização dos Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA) é de 69%. Já nas públicas, que não contam com essa estrutura tão fortemente, este contato é de 43% nas estaduais e, nas municipais, apenas 14%.
Os pesquisadores notaram que, na segunda fase da pesquisa, 79% dos educadores diziam que suas vidas haviam mudado muito, enquanto na primeira, essa cifra era de 75%. Outra mudança é que os professores estão dedicando mais tempo estudando que descansando, provavelmente pela necessidade de prepararem melhor suas aulas on-line, aprendendo a lidar com as ferramentas disponíveis ou, no caso da falta delas, buscando novas formas de seguir ensinando.
Outro ponto levantado entre os professores consultados é que 3 de 4 deles acreditam neste momento da quarentena que docentes e estudantes devam interagir remotamente, o que no início da paralização, era de 2 para 4 professores.
A segunda fase da pesquisa do Instituto Península é um retrato muito pungente de como a quarentena deixou mais evidente a desigualdade de recursos entre os professores das redes privada e pública. Ao mesmo tempo, os resultados apontam para um grande esforço por parte dos docentes destas últimas, no que se refere a adaptar-se aos equipamentos e auxílios pedagógicos disponíveis.
De forma geral, a quarentena tem exigido que os professores de todas as redes se desdobrem para reaprender a ensinar, a lidar com seus sentimentos e ansiedades e, ao mesmo tempo, cuidarem de si mesmos e de suas famílias, dando continuidade a seus papeis de agentes de mudança na sociedade. A segunda fase da pesquisa detalhada pode ser consultada aqui.
Confira os resultados das duas primeiras fases da pesquisa no site do Instituto Península , compartilhe conosco sua opinião e como você se identifica com os sentimentos e as dificuldades dos professores na quarentena.
Para saber mais: http://institutosingularidades.edu.br/novoportal/
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