A cidade como território de aprendizagem faz parte da educação que acreditamos. Os espaços urbanos propiciam trocas de conhecimento, inspiram a criação e a reflexão e são, além disso, protagonistas na história de uma cidade ou de um país.
Daniel Viana, poeta, artista e educador formado em Letras pelo Singularidades sempre teve a rua como seu espaço de inspiração, criação e alfabetização do olhar, além do “lugar do encontro, da transição, do deslocamento, logo é também o lugar de produção de histórias através da vivência”, conforme define Daniel.
Criador do Guardanapos Poéticos, projeto de ocupação poética por meio de interações com o público na cidade de São Paulo, ele desenvolveu o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) Mapa Poético da Paulista, material que oferece a estudantes, professores e pesquisadores a oportunidade de aprender mais sobre a literatura brasileira por meio de paradas conectadas com diferentes fases da produção nacional.
Na entrevista a seguir, Daniel nos conta como surgiu e foi desenvolvido o projeto, além dos pontos de atenção ao longo do percurso sugerido por ele em sua pesquisa, e como a pandemia afetou a realização dela, assim como seu contato com a cidade e seu potencial educativo. Leia e inspire-se a seguir.
Como e quando surgiu a ideia do Mapa Poético da Paulista?
Sou poeta de rua, trabalho nas ruas ouvindo histórias e transformando os depoimentos em poemas datilografados. Sendo a rua o meu local de criação poética, meu olhar foi sendo alfabetizado para encontrar poesia na cidade. A graduação foi expandindo as possibilidades, encontrei no curso de Letras professores que me estimulavam a considerar o território como espaço educativo, e surge assim, o desejo de criar um trabalho de conclusão de curso prático-poético-urbano.
Comecei a buscar nas minhas caminhadas pela cidade possibilidades de criar planos de aula na rua, considerando a educação não-formal, ou seja, além dos muros da escola, como estímulo para o ensino de literatura.
A escolha da Avenida Paulista não foi por acaso. Sempre me encantei com as obras de arte pública que há na sua extensão, sendo a Paulista um museu a céu aberto, democrático.
Assim, surge a ideia de criar um Mapa Poético da Avenida Paulista, um material impresso para ser utilizado por educadores, alunos, pesquisadores, público em geral; vinculado ao ensino de literatura brasileira na sala de aula ou autonomamente.
De que forma você o desenvolveu e como ele está relacionado ao seu projeto Guardanapos Poéticos?
Guardanapos Poéticos é um projeto que surge em 2012, de ocupação urbana para criação poética através de intervenções ativas com o público, são muitas as atividades criadas e desenvolvidas desde então, sempre colocando o espaço urbano como protagonista.
Para desenvolver o Mapa Poético da Avenida Paulista foi necessário mapear o local, as obras de arte pública e a arquitetura da avenida. Os mapeamentos foram realizados considerando o olhar do pedestre, do ciclista, dos usuários de transporte público e dos usuários de carros particulares; levando-se em conta que o deslocamento interfere diretamente na relação com a cidade.
Após a realização dos mapeamentos parti para a busca de referências bibliográficas que pudessem fomentar a pesquisa, e nesse momento o trabalho da pesquisadora Lilian Amaral foi a principal referência. No ano de 2010, Lilian publicou sua dissertação, que apresentava um catálogo detalhado apresentando a museologia da Avenida Paulista.
Posteriormente foi necessário definir o tema da pesquisa, e a escolha se deu a partir dos mapeamentos. A Avenida Paulista tem início na Praça Osvaldo Cruz, onde está localizada a escultura Índio Pescador (1928), de Francisco Leopoldo e Silva, e finaliza na Praça Marechal Cordeiro de Farias, em que está a obra Caminho (1991), de Lilian Amaral e Jorge Bassani.
Assim, considerei trabalhar com as escolas literárias da poesia da “era nacional”, ou seja, do Romantismo ao Pós-Modernismo. Em outras palavras, a obra Índio Pescador possibilitava a relação com o poema Juca Pirama, de Gonçalves Dias, principal poeta da Geração Indianista do romantismo brasileiro, e a obra Caminho gerava a reflexão sobre pluralidade e diversidade, características da literatura pós-modernista. Sendo essas obras o ponto de partida da pesquisa.
O seu projeto Guardanapos Poéticos partia do princípio que o lugar do poeta ou do escritor não tem de ser necessariamente o do isolamento. A rua e as trocas proporcionadas por ela são uma rica fonte de inspiração, mas a execução pode ser considerada mais complicada?
No projeto Guardanapos Poéticos trabalho com a criação do poema ao vivo. A ação gera um novo olhar para a rotina, parto do princípio que um poeta com uma máquina de escrever no caos urbano desperta a curiosidade e o interesse para a literatura.
A rua é o lugar do encontro, da transição, do deslocamento, logo é também o lugar de produção de histórias através da vivência.
Quais são as principais paradas do Mapa?
O percurso foi criado com 10 paradas intencionais, de acordo com a cronologia das escolas literárias:
- Escultura Índio Pescador (Praça Oswaldo Cruz) – 1ª Geração do Romantismo
- A Avenida Paulista (Avenida Paulista, s/n) – 2ª Geração do Romantismo
- Painel de Regina Ricci no Mural do Hospital Santa Catarina (Avenida Paulista, 90) – 3ª Geração do Romantismo
- Esculturas Anchor The Sky (Avenida Paulista, 119) – Parnasianismo
- Painel Alabarda (Avenida Paulista, 648) – Simbolismo
- Escultura Homem Aramado (Avenida Paulista, 923) – Pré-Modernismo
- Edifício Pauliceia (Avenida Paulista, 960) – 1ª Fase do Modernismo
- Escultura Anhanguera e Pedra fundamental do Masp (Avenida Paulista, 1578) – 2ª Fase do Modernismo
- Buraco da Paulista (Praça do Ciclista) – 3ª Fase do Modernismo
- Escultura Caminho (Praça Marechal Cordeiro de Farias) – Pós-Modernismo
O participante pode optar em realizar o percurso seguindo a cronologia das escolas literárias da poesia brasileira, ou pode criar seu próprio percurso, de acordo com seu interesse.
Como esse quase 1,5 ano de pandemia afetou o seu projeto, uma vez que o isolamento passou a ser mandatório para cuidarmos um aos outros e evitarmos a contaminação? Você conseguiu adaptar-se a isso?
Na verdade, afetou muito, e a adaptação foi necessária. Desde o início o meu desejo era o de realizar um projeto de construção do mapa poético em parceria com profissionais da educação e a participação ativa dos alunos, utilizando a pesquisa-ação como metodologia.
Com o isolamento social e as aulas remotas, precisei seguir o trabalho sem a parte prática, o que considero fundamental para um resultado que dialogue com as necessidades dos alunos. Por isso, acho que a pesquisa segue além da defesa do TCC. Pretendo em breve realizar a experiência do mapa presencialmente, com alunos do ensino médio, pois o principal objetivo é criar um material mais acessível e atraente ao público-alvo.
Outra curiosidade do TCC é que meu trabalho estava sendo realizado em outro lugar. Inicialmente, a pesquisa e criação se dava no Minhocão (Elevado Presidente João Goulart) a partir da obra Morangos Mofados, de Caio Fernando Abreu, mas com a pandemia, o local ficou fechado para os pedestres, impossibilitando a pesquisa. Percebendo a impossibilidade de realização conforme o desejado, acabei partindo para um plano B, e escolhi a Avenida Paulista enquanto espaço e as escolas literárias como tema.
Sua pesquisa é cheia de amor pela cidade e pela sua relação como pessoa e escritor com ela, executada de uma forma muito original. Houve algum autor que influenciou a sua forma de traduzir esses sentimentos para o mapa?
Na literatura poética existem vários escritores que me influenciam no olhar para as microcidades que compõem a cidade, destaco Caio Fernando Abreu, Antônio Carlos Viana e Carolina Maria de Jesus.
Além da poesia citadina dos livros, gostaria de abordar a poesia da sala de aula que há nos profissionais da educação. Meu despertar literário surge por estímulo de uma professora durante o ensino básico, e se estende para outros professores durante a minha formação.
Para a criação do Mapa, contei com a contribuição da professora Márcia Moreira Pereira, que veio a ser minha orientadora. Com a professora Márcia desenvolvi um projeto dodiscente sobre literatura e rua, expandindo para toda a turma de Letras as nossas provocações sobre territórios literários. A Márcia é uma inspiração docente para muitos, eu saia de suas aulas estimulado, relacionando a vida com literatura.
Além do TCC, você pretende estender o Mapa para um livro ou outro formato?
Inicialmente ficará disponível on-line todo o material para baixar e usá-lo com autonomia, mas penso em buscar apoio para realizar a impressão do mapa e disponibilizá-lo para escolas, educadores, pontos turísticos etc.
Da mesma forma, considero urgente tornar o material acessível para as pessoas com deficiência, por meio de libras e audiodescrição.
Pretendo seguir com a pesquisa na prática e na teoria. Gostaria de futuramente transformar as pesquisas em um livro impresso, expondo os processos de criação e os resultados, pois acredito que, ao expor o material, posso contribuir com a formação de educadores, pesquisa continuada, e estímulo para a realização de outros mapas em outros territórios.
Este trabalho dialoga com as competências gerais da BNCC. Seu resultado tem como foco o trabalho literário, mas sugiro que o mesmo material possa ser trabalhado para uso interdisciplinar, como projeto.
Daniel Viana, poeta de rua, educador e artista. Mineiro de certidão e sotaque, radicado na garoa paulista. Graduando em Letras pelo Instituto Singularidades. Cursou direção teatral pela Escola Livre de Teatro de Santo André (ELT). Criador de projetos que relacionam literatura e cidade, dentre eles, Guardanapos Poéticos.
Para saber mais: http://institutosingularidades.edu.br/novoportal/
Entre em contato: [email protected]