Na segunda parte da palestra A relação entre a BNCC e as investigações e os fazeres da Educação Infantil – cuja primeira parte você pode conferir aqui –as professoras Josca Ailine Baroukh e Silvana Augusto trouxeram imagens para serem analisadas em conjunto com os participantes.
A primeira série delas, trazida por Josca, foi retirada do livro Tornando visível a aprendizagem: crianças que aprendem individualmente e em grupo, escrito pela Reggio Children e que faz parte da coleção Reggio Emilia. A partir de uma dinâmica com os alunos, a professora foi discutindo as diferentes experiências que vão acontecendo na sequência de imagens.
A primeira mostra três crianças muito pequenas (por volta de 1 ano), canetinhas e papel. O papel, grosso, forra o piso onde elas brincam. Na segunda imagem, uma das crianças, muito atenta ao que está fazendo, puxou uma ponta do papel. Na terceira, um dos meninos puxou um pedaço grande do chão, e está rabiscando com a caneta nele, mas enrola o papel e faz dele um tubo.
Muda a cena, a coleguinha pega o tubo, o observa, coloca a caneta dentro dele e espera que ela saia na ponta, com a ajuda do professor, cuja presença só é identificada por um dedo: é quando acontece o “maravilhamento”, o conceito usado pela abordagem Reggio Emilia para definir aquele momento tão especial na educação infantil. A participação do público é intensa neste momento.
“A criança está descobrindo, investigando. A gente estando ou não estando lá, ela está investigando neste contexto. O professor perceber isso possibilita que ele intervenha para apoiar esta descoberta. Quando vocês apontam que a professora sustenta o canudo, é porque ela aponta muito de perto a investigação destas crianças e, consegue só por colocar o dedo, possibilitar que tantas coisas sejam descobertas”, explica Josca.
Silvana complementa que pode ser que aquele professor faça todos os anos, com todas as suas turmas aquele experimento, que seja uma prática já apropriada por ele, que forre o chão com papel mais grosso e distribua a caneta aos pequenos. Mas não vai ser igual sempre.
“O professor é quem tem o domínio do que propor, organizar, mas também tem de estar atento e prestar muita atenção ao que as crianças estão fazendo, para conseguir pensar fora da expectativa que ele talvez tivesse. E por isso essa cena fica tão interessante, porque a gente vê a experiência da criança e a do professor acontecendo simultaneamente, e se auto-alimentando)”, avalia.
Formas de interpretar e representar o mundo
A professora Silvana, por sua vez, traz uma imagem de um rabisco típicode uma criança pequena. Depois, ela mostra uma outra tela com um grande rabisco, em formato circular e que toma mais espaço da página, feito em diferentes cores de canetinha. Ela pergunta aos alunos que idade deve ter aquela criança, e a maioria responde que entre dois e quatro anos.
Na cena seguinte, a professora daquela criança decidiu interferir na experiência dos alunos, introduzindo uma roupa como se estivesse pendurada no varal, para as crianças completarem e, propondo um problema gráfico.
A expectativa do professor pode ser cumprida ou não. Na tela seguinte, vê-se os mesmos rabiscos fortes formando um varal grosso em torno da roupinha, contrariando o que muitos professores e participantes da palestra esperavam, que a criança completasse a figura humana com cabeça, pernas e braços.
Além do varal, a criança acrescenta outras roupas, um bambu no meio do varal (uma característica interessante, aponta a professora, porque não é usada em apartamentos, mas em casas e sítios). E no canto, uma pipa toda enrolada, com a rabiola emaranhada.
Silvana segue contando que a criança entrega o desenho ao professor, que fica surpreso com o resultado, mas fala algo positivo. Mas a criança não se satisfaz com a resposta e vira o desenho de cabeça para baixo, e o devolve ao professor.
O que muda é que, na imaginação daquela criança, aquela roupa deveria estar esvoaçando, e a pipa também.“Se bater um vento, a pipa vai embora. É o coração do desenho, tudo voando, mas para que isso aconteça, o varal fica de pernas para o ar, que não é o resultado que ela esperava”.
Essa afirmação se confirma num outro dia, numa organização de sala diferente, uma oficina, no qual as crianças escolhem os materiais que vão usar. E a criança usa um pouco de plasticor num canto, mas no restante recria a mesma cena do outro dia, usando caneta.
Tudo é um pouco parecido, mas as roupas estão presas por grandes pregadores (“para evitar que algo aconteça”, aponta Silvana), e a pipa tá lá longe, ela foi embora. Ela cria a sensação de que está ventando muito, usando elementos recorrentes em outros projetos.
Essa história foi contada pela professora Luisa, que dava aula para Jackson, um menino de 3 anos e meio. “Ao resolver o desenho central (que era um rabisco criado para dar a impressão de vento), o Jackson tenta resolver um dos desafios mais difíceis para quem tem o desafio de representar a natureza, que é justamente dar visibilidade para aquilo que é invisível. Como é que a gente desenha o calor, o frio, a saudade, o vento, coisas que a gente não vê, mas sente? Essa é a solução dele, uma criança de 3 anos”, explica. Silvana conta que sempre a usa para ilustrar suas palestras e aulas, pelo seu grande poder significativo.
A professora Josca traz mais uma outra sequência de experiências, que mostra uma menina pequena (de cerca de 2 anos) tateando, sentindo a textura de um tronco. Ela pega alguma coisa dali, que é uma jaboticaba, “uma bolinha” que ela nunca viu. Ela pega e experimenta, e na última foto percebe-se que ela não gostou, porque a frutinha estava verde.
“A gente não viu a atenção pela do Jackson, o menino do outro desenho, mas a gente viu o resultado dela. Quando nós detectamos o mesmo os bebês e crianças pequenas, o colocar na boca, realmente experimentar é um momento de atenção plena. Josca explica que a experiência é fruto da elaboração. Essa sensação toca, mobiliza e atravessa o sujeito.
Para que a criança tenha acesso a essas experiências, é preciso que a escola garanta a possibilidade de interação. “A experiência é humana, e o humano se constitui no outro. A presença do outro não é apenas acessória, ela é uma condição”, comenta Silvana.
Outra é a diversidade. As crianças precisam conhecer muitas coisas. Diferentes materiais, diferentes suportes e histórias. “Se a cada dia ela faz uma coisa nova, e nunca tem a possibilidade de refazer, de voltar àquilo, como ela vai constituir um saber sobre aquela nova experiência que a afetou?
“Um saber é o ponto de controlar melhor a caneta, desenvolver melhor a exploração do espaço, de rasgar o papel de um jeito especial. E como ela pode reter este saber que ela viveu e que a tocou, se ela não tiver continuidade, que é o terceiro ponto?”, pergunta Silvana.
A professora salienta que todos os planejamentos precisam de pensar nestas três condições, e que se os professores de fato estejam conectados com a ideia da base, eles devem trabalhar com planejamento por campos de experiência, então são condições que devem ser pensadas em qualquer situação vivida por crianças.
Para saber mais: http://institutosingularidades.edu.br/novoportal/
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