A pandemia de Covid-19 ainda não terminou, e quando relembramos seus primeiros meses em 2020, em que houve o fechamento das escolas e a consequente suspensão das aulas presenciais, relembramos de como instituições, professores, funcionários, alunos e demais membros da comunidade foram pegos de surpresa.
A adoção emergencial do sistema remoto de ensino foi uma situação inédita e de grande impacto na vida de comunidades escolares públicas e privadas por todo o Brasil. Perto de escolher o tema de seu trabalho de conclusão do curso de Letras no Instituto Singularidades, Valentina Nunes interessou-se em relatar como essa situação impactou a rotina, mudou o relacionamento docente-estudante e permitiu novas experiências pedagógicas a um grupo de docentes.
Valentina, que é jornalista e professora em cursos superiores nesta mesma área, valeu-se de sua sensibilidade e interesse em dar voz às pessoas para ouvir professores e professoras da educação básica, que em 2020 enfrentaram o desafio de manter o vínculo e estimular a aprendizagem de seus alunos, mesmo à distância.
Ao todo, Valentina entrevistou 17 docentes, que foram escolhidos aleatoriamente entre profissionais do ensino básico das áreas públicas e privadas, nos estados de São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
A seguir, você confere o relatório da jornalista, professora e agora bacharel em Letras a respeito deste estudo tão necessário de um dos momentos mais delicados da história do país e do mundo.
“Foi quando li o comentário de uma mãe-professora num grupo de WhatsApp de professores que o interesse pelo tema do meu TCC, que intitulei A Educação Remota em Tempos de Pandemia da Covid-19 – Perdas e Ganhos nas Escolas Brasileiras, começou a se estruturar. Ela comentou que a professora de sua filha de quatro anos havia pedido demissão da escola particular onde lecionava, por não haver se adaptado às aulas remotas. E era visível o incômodo da professora quando os pais puderam acompanhar algumas aulas.
Aquela situação me impressionou muito, e me lembro de, ao perguntar o motivo, a mãe-professora haver respondido que havia sido por uma questão de letramento digital, por ela ter pouca experiência com os computadores. Mais tarde, embora eu não tenha conseguido entrevistar essa professora em específico, soube que o incômodo dela tinha a ver principalmente com a intromissão dos pais durante as aulas, e os comentários posteriores que eles faziam entre si e com a direção da escola. Não deram tempo para que a professora se adaptasse e fizeram muitas cobranças.
Cada vez mais eu via reportagens e comentários no noticiário da televisão e da internet, ou nas redes sociais (em especial no Facebook e Youtube), sobre professores do ensino básico que se desdobravam para dar as aulas remotas, inventando cenários dentro de suas casas, falando para celulares pendurados, tendo de lecionar com os próprios filhos brincando e gritando no quarto ao lado etc, sem o devido apoio das escolas, das secretarias de educação e até do MEC.
Toda aquela precariedade a que os professores estavam sendo submetidos foi despertando esse meu lado jornalístico (sou formada em Jornalismo, em primeira graduação), de querer deixar registrado esse momento da história da educação brasileira.
Embora eu já seja professora, minha realidade se mostrou bem diferente da dos professores do ensino básico. Eu dou aulas em universidade federal e fiquei com meus colegas por mais de seis meses me preparando para o início das aulas remotas, por causa de especificidades da instituição, por onde circulam 40 mil pessoas diariamente e onde há uma grande diversidade de situações sociais que precisavam ser contempladas. Foi preciso então planejar muito bem cada passo, com levantamentos, discussões e a instalação de um comitê de biossegurança.
Os professores de ensino básico, por outro lado, por força da lei e da necessidade de cumprirem as 800 horas/aula que correspondem a um ano letivo, tiveram de se lançar à nova modalidade de ensino, remoto, em poucas semanas depois dos primeiros decretos para a suspensão das aulas presenciais e do fechamento de vários estabelecimentos, além da implementação do distanciamento social.
Quando minha orientadora, a professora Jordana Thadei, respondeu positivamente à minha consulta sobre a possibilidade de fazer do meu TCC uma espécie de registro desse período, logo passei a marcar as entrevistas. De início definimos que me restringiria ao ensino básico, porque foi o foco das disciplinas e do curso de Letras do Singularidades.
Não foi fácil encontrar professores de ensino básico com disponibilidade para conversar, porque estavam todos muito sobrecarregados com o ensino remoto emergencial. Eu já sabia, àquela altura, que durante a pandemia tinha dobrado a carga horária dos professores.
O negócio foi insistir. E nesse momento pesou muito minha experiência como jornalista: para pesquisar nomes (as fontes, como se fala no jornalismo), entrar em contato, negociar o modo da entrevista, fazer a entrevista.
Com a dificuldade de obter retorno, achei mais produtivo oferecer aos professores a possibilidade de conversarmos por videoconferência on-line; por me enviarem respostas via áudio do WhatsApp; ou por escrito, via e-mail. Fiz contatos com todos primeiramente via e-mail ou WhatsApp, combinei de enviar o questionário com 11 perguntas, e eles decidiam como queriam retornar.
Acabei entrevistando 17 professores, oito por videoconferência, três por respostas de áudio e seis por escrito. As perguntas se referiam basicamente ao ano de 2020, quando ainda não estavam em modelo híbrido ou presencial, apenas remoto.
Para chegar aos professores, acionei minha rede de contatos, interpelei alguns, e a outros pedi indicação. Procurei diversificar os perfis, com professores de escolar públicas e privadas, de ensino fundamental e ensino médio.
No início pensei em entrevistar apenas professores de português, mas percebi, ouvindo as primeiras histórias, que a experiência de abrir para outras disciplinas seria bem rica — principalmente porque muitos trabalharam de maneira interdisciplinar, inclusive envolvendo alfabetização. E foi a partir dessa decisão que acabei entrevistando também professores de educação infantil.
As oito entrevistas gravadas por videoconferência foram as que mais renderam, com duração de cerca de uma hora, em média, cada. Trechos dessas entrevistas acabei inserindo no TCC, mediante autorização dos entrevistados, com acesso por QRCode.
As perguntas que fiz abordaram: se estavam em EaD ou Remoto, se haviam recebido apoio das escolas ou secretarias e MEC; se precisaram comprar equipamentos; como estava a questão da acessibilidade de professores e alunos; se as respectivas graduações preparou-os para uso das tecnologias digitais; se faziam uso das tecnologias digitais para reuniões; como tinha sido a preparação deles; como estava o letramento digital dos alunos; como haviam sido as avaliações; se houve evasão; qual havia sido o maior desafio do ensino remoto; se a questão da afetividade era importante para o ensino, e o que acreditavam que ficaria dessa experiência para a educação brasileira. Interessava-me, sobremaneira, a questão dos multiletramentos.
Em um aspecto geral, de acordo com as respostas, as diferenças mais marcantes foram entre o ensino básico público municipal e estadual, e o privado, frente ao ensino básico público em instituição federal. Este último foi o que mais teve suporte material, pedagógico e psicológico.
Os professores acabaram se articulando muito entre eles, em apoio mútuo, para efetivar as aulas. As experiências interdisciplinares cresceram e se revelaram muito positivas. Houve boa repercussão entre os alunos.
Entre as maiores dificuldades relatadas pelos entrevistados, esteve a sobrecarga de trabalho, porque precisaram de muitas horas para se prepararem, para fazer reuniões e para atender os alunos, muitas vezes até individualmente. A falta de privacidade, com a vida privada e a profissional acontecendo simultaneamente no mesmo ambiente, foi outra dificuldade relatada.
Muitos ainda tiveram de lidar com a presença de pais inconvenientes no meio das aulas remotas. Houve ainda a necessidade de conversar com outros pais, aflitos porque não conseguiam ajudar os filhos nas tarefas.
O ponto alto das experiências foi a criatividade com que cada professor driblou as dificuldades e conseguiu conquistar os alunos, transmitir conhecimento e garantir a ligação dos estudantes com a escola. Leitura coletiva de obras literárias; aulas que incluíam não apenas professor e alunos, mas também funcionários da escola; resenhas críticas de filmes e livros produzidas em formatos como vídeo e blog; podcasts sobre temas diversos foram alguns dos exemplos citados pelos professores entrevistados.
Professores e professoras enfatizaram que, ao contrário do que imaginamos quando da volta ao ensino presencial (que depois da experiência do ensino remoto haverá mais ênfase nas tecnologias digitais e nos multiletramentos), eles acreditam, na verdade, que os pontos reforçados serão justamente aqueles com os quais não se pode trabalhar no modo remoto. Ou seja, tudo o que envolver afetividade e relações humanas – daí a compreensão, a força e a importância do que pode vir a ser o ensino híbrido de qualidade.
Para chegar a este TCC, ainda que eu tenha lançado mão de meus conhecimentos e experiência como jornalista para as entrevistas, sem sombra de dúvida eu só pude abordar toda essa temática e me sentir confortável e preparada para as entrevistas por causa do conteúdo que assimilei ao longo do curso de Letras do Singularidades, caso das questões envolvendo multiletramentos, multiculturalismos, currículos, tecnologias digitais e ensino híbrido – além das leis que regulam a educação no Brasil”.
Nascida na capital paulista, Valentina Nunes mudou-se para Florianópolis aos 18 anos, para cursar sua primeira graduação, Jornalismo, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Nos anos seguintes, dividiu-se entre a vida profissional de jornalista e a vida acadêmica. Valentina voltou às salas de aula na graduação de Letras do Instituto Singularidades, que concluiu no primeiro semestre de 2021. Escreveu diversos livros, como “365 dias que mudaram o Brasil”, lançado pela Editora Planeta, em 2019. É professora do curso de Jornalismo da UFSC, onde realiza pesquisas sobre biografias e autobiografias.
Para saber mais: http://institutosingularidades.edu.br/novoportal/
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