Demandas contemporâneas de aprendizagem, como saber discernir discurso de ódio de liberdade de expressão, ou fake news de notícias verdadeiras, além de identificar as diversas vozes contidas num mesmo texto são alguns dos pontos nos quais a análise de discurso atua. Professor graduado em Letras pelo Singularidades, jornalista e ator, Pedro Ruffo foi o convidado do webinar no canal do Youtube do Singularidades dedicado a discutir as diversas ferramentas que esta área da Língua Portuguesa oferece à aprendizagem das turmas dos anos finais do Fundamental e do Ensino Médio. O encontro aconteceu no último dia 17 de novembro.
Em conversa com Marcelo Ganzela, que está à frente da coordenação da nossa faculdade de Letras, e com os internautas que enviaram perguntas e fizeram comentários, Pedro falou sobre a importância de se compreender o discurso que está por trás de cada texto na formação dos educandos da atualidade.
“O texto é uma manifestação da língua, e o discurso são os princípios, os valores e os significados por trás deste texto. Basicamente, a análise do discurso é a compreensão as ideologias no interior dos discursos. Por isso é importante fazermos essa diferenciação”, explicou Pedro, que também é mestrando da área de Língua Portuguesa da PUC-SP.
Neutralidade não existe
Quando um docente se propõe a estudar a análise do discurso em sala de aula, é necessário se olhar para a intencionalidade e as polifonias presentes no texto analisado, seja ele jornalístico ou um relato histórico. E a BNCC do Fundamental 2 concorda com isso: há um tópico que explicita a necessidade de se diferenciar a liberdade de expressão do discurso de ódio. Desta forma, é preciso trabalhar análise de discurso em sala de aula para desenvolver este olhar crítico, explica Pedro.
O discurso neutro não existe, bem como a imparcialidade. Por meio da análise do discurso, é possível se compreender que quando se fala de ideologia, há por trás deste conceito um sujeito, que é um ser social, político e cultural. “Então ele é uma voz social, e desta forma, ele fala a partir de suas experiências”, completa.
Um exemplo disso, segue Pedro, é um artigo de opinião escrito por Gustavo Alonso na Folha de São Paulo, mais precisamente, o obituário da cantora e compositora Marília Mendonça, que morreu no último dia 5, na queda do avião em que viajava. No texto, que foi muito criticado nas redes sociais, o autor faz críticas ao corpo e ao talento de Marília.
“Ele é um homem carregado de ideologias, um ser social, tem aquela formação cultural e social, e muitas pessoas pensam como ele. A cada frase que ele colocou no texto, que voz estava falando ali? Era a voz de um homem? De um jornalista da Folha de São Paulo?”. Quem foi que disse isso?”, questiona.
Ao trazer este tipo de reflexão para a sala de aula, o docente provoca o aluno a perceber as diferentes possibilidades de interpretação de um texto, porque nunca há um sentido único. Além disso, oferecer a estudantes ferramentas para essa compreensão reforça sua autonomia. “Por que é importante um jovem de 15 anos estar se deparando com esse texto? Ele está se formando socialmente, e língua é poder. Então quando a gente mostra isso pra ele, estamos dando a ele munição para navegar neste universo”, analisa.
Pós-verdade e efeito bolha
Além da necessidade de se identificar o discurso de ódio, a BNCC também apresenta os conceitos de pós-verdade e efeito bolha. “A pós- verdade coloca os fatos de lado, os fatos concretos em detrimento de crenças, dos apelos emocionais, de tudo o que é do pessoal, tudo o que é muito mais do emocional que do racional”, esclarece Pedro.
O efeito bolha seria um derivado do primeiro conceito. Se alguém deixa os fatos de lado e só passa a acreditar no resultado da pós-verdade, que é aquilo que se acredita, essa noção de realidade se propaga em comunidades e redes sociais como verdade absoluta. E todas estas noções compõem, ao fim, exemplos de discurso de ódio
Ao trazer estes três temas, como a BNCC os associa à análise do discurso e à língua portuguesa? Pedro responde que essa conexão se dá por meio das palavras e da construção do texto. Ao organizar textualmente as próprias ideias, uma pessoa respeita seu próprio posicionamento e sua ideologia, e reconhecendo sua identidade como ser social. entendendo que não existe neutralidade, que eu sou, sim, um ser social.
“Um aluno de 11 anos, quando vai escrever o texto dele, o faz com as ideologias que ele tem. Ele traz referências de casa, da família, da escola, da religião, dos lugares onde ele convive, dos grupos sociais com os quais ele se identifica. E a partir disso é que ele vai escrever”, completa Pedro.
O poder das escolhas por trás do texto
A escolha das palavras ao se escrever muda muita coisa. Como lembrou Marcelo Ganzela na conversa, um exemplo disso foi a ocupação das escolas paulistas em 2015, chamada por alguns de “invasão”. O mesmo pode-se dizer das várias formas de se tratar o momento em que os portugueses chegaram ao Brasil: “descoberta”, “invasão” ou “chegada”.
Além disso, discussões linguísticas de formação antirracista mostram como palavras como “denegrir” carregam um olhar que foi naturalizado, mas que na verdade carrega um lugar de fala racista, repetido sem que haja consciência disso ao longo do tempo.
Ao se oferecer às turmas de estudantes a oportunidade de conscientizar de suas escolhas em seus textos ou em outros que se está analisando, mais ele será autônomo na hora de escrever. “Existe uma crença de que análise do discurso é algo muito complexo e abstrato, e que deve ser introduzido no ensino médio. Mas acho que quanto mais cedo se começa, mais interessante essa aprendizagem vai se tornando”, acredita Pedro.
Você pode conferir esta conversa na íntegra e aprender um pouco mais sobre análise do discurso aqui, no nosso canal do Youtube.
Para saber mais: http://institutosingularidades.edu.br/novoportal/
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