O valor do aprendizado em ciências é inegável. É a partir dele que as crianças descobrem um novo jeito de olhar o mundo e os fenômenos que permeiam todas as esferas de sua vida. Nos primeiros anos de escola, o letramento científico se torna ainda mais significativo. É ali que se entende melhor conceitos como o corpo humano, o ambiente em que se vive e até sobre as tecnologias que se utiliza.
“O mundo muda a partir das ciências e tecnologias. Por isso, toda aprendizagem científica tem sentido fundamental para a compreensão do mundo e de si mesmo. Só assim conseguimos instrumentalizar nossos alunos para que se tornem cidadãos mais autônomos, atuantes, que sabem compreender e participar das transformações”, observa a professora Cecília Condeixa.
Ao lado dos também professores José Manoel Martins e Marcos Englestein, ela participou da aula inaugural do curso online BNCC do 1° ao 5°: Ciências da Natureza, (que você pode conferir na íntegra aqui). O maior destaque da roda de conversa foi a contribuição do letramento científico para a formação não apenas do estudante, mas também dos professores.
Aliás, o termo letramento científico ganha cada vez mais espaço internacionalmente, especialmente por conta do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA). No Brasil, ele foi incluído na plataforma da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), cujo objetivo é garantir que os alunos do Ensino Fundamental possam compreender e interpretar conhecimentos nos mais diferentes contextos.
As ciências e a BNCC
Os conceitos listados na BNCC para as aulas de ciências estão divididos em unidades temáticas. Matéria e Energia, por exemplo, é um desses temas. Ele se desdobra em diversos objetos do conhecimento que são trabalhados ao longo de cada ano, em forma de cascata. Dessa forma, no 1º ano, as crianças aprendem sobre as características dos materiais; já no 2º ano, o foco são as propriedades e os usos desses materiais, e assim sucessivamente.
Os enfoques curriculares recomendados pela BNCC são abordados durante o curso oferecido pelo Singularidades e levanta a importância de se desenvolver o senso crítico dos estudantes a respeito do mundo (natural, social e tecnológico) para, assim, transformá-lo. Aportes teóricos e processuais da investigação científica aparecem como ferramentas para alcançar essa meta.
É assim, defende Marcos Englestein, que o cidadão pode fazer uma leitura científica – ainda que mínima – das informações que recebe. “Tendo essa base, uma pessoa não vai se deixar seduzir por uma propaganda, por exemplo, que promete um benefício que sabemos ser impossível. Ser cientificamente letrado quer dizer aplicar o conhecimento no próprio dia a dia.”
Mudanças e novas perspectivas
Em termos gerais, a BNCC trouxe para o ensino de ciências algumas transformações significativas em relação ao conteúdo desta área do conhecimento. Porém, no que diz respeito aos propósitos e objetivos gerais, a base continua muito parecida com os valores desenvolvidos nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN).
Hoje, com a chegada da BNCC, assuntos como Terra e Universo entram no currículo desde os anos iniciais. O tema Vida e Evolução foi reorganizado e agora reúne as pautas sobre corpo humano, saúde e vida e meio ambiente.
Já os processos de investigação ganharam destaque na BNCC como componente da metodologia de ensino de ciências. Cecília conta que essa ideia da investigação integra as competências gerais que valem para todo o ensino básico. “Quem trabalha colocando a mão na massa, do ponto de vista da investigação, vai sempre acertar. É a história de aprender fazendo, discutindo, comparando, confrontando ideias, levantando hipóteses.”
Marcos faz questão de tranquilizar os professores que estão preocupados com a mudança: “para quem acha que há enorme mudança no método de trabalho, tenha calma, pois você vai reconhecer muitos pontos para se apoiar e desenvolver seu processo de ensino”.
Desafios em sala de aula
Nos primeiros anos do Ensino Fundamental, o professor precisa ser polivalente. Ele ensina línguas, matemática, astronomia, geologia e, às vezes, faz até mesmo o papel de educador físico. O acúmulo de funções é um desafio por si só.
Em sala de aula, ele precisa desenvolver competências em muitas frentes. E isso não é diferente quanto falamos das ciências naturais. “Eu converso com muitos professores e sempre dou a mesma sugestão: façam as coisas devagar. Peguem um tema para trabalhar e foquem seus esforços nele. Pesquisem as atividades mais bacanas para situar os fenômenos”, recomenda Cecília.
A exploração do conhecimento científico é dinâmica e pode se desenrolar de diversas formas. Pode ser por meio de um filme, imagens, um passeio, entrevistas, um trabalho expositivo e, claro, experimentos. Cada tema pede e possibilita uma abordagem diferente. O importante é instigar a curiosidade dos alunos para a investigação científica.
Não há necessidade, no entanto, de acertar sempre. “O professor polivalente costuma ter um desejo tão grande de não errar que acaba não tendo calma para esperar pelo resultado. Vale lembrar que, em ciências, nem sempre há uma resposta certa. As respostas negativas não necessariamente são erradas. O professor deve deixar o aluno livre para levantar e testar suas próprias hipóteses”, ressalta Marcos.
Ele ressalta que o papel do docente é usar o experimento para construir o caminho da educação e do aprendizado. José Martins complementa: “os conceitos em ciências mudam, não é algo definitivo, não há verdades absolutas. Precisamos ensinar aos alunos que isso acontece. Até porque, geralmente, o que eles buscam é uma resposta definitiva, que, muitas vezes, a gente não tem”.
A motivação para o professor polivalente deve brotar da vontade de transformar e compreender melhor o mundo. Ao valorizar esses aspectos em si mesmo, é possível transbordar o estímulo para seus alunos.
“Acreditar na pesquisa do estudante pode fazer com que o próprio professor evolua”, afirma Cecília. “Aprender ciências é uma tarefa contínua e as mutações são desafios, mas também são vida. As ciências trazem essa possibilidade de transformação, que também está na índole do professor, que é um ser criativo, alguém que gosta de ver olho brilhando. Então, seja professor de si mesmo.”
José Manoel Martins é mestre e doutor em Ciências, na área de Zoologia, pelo Instituto de Biociências da USP. Foi professor de Ciências do Ensino Fundamental 2 e Biologia do Ensino Médio até 2015. Membro da Associação Brasileira de Autores de Livros Educativos (ABRALE), já escreveu diversos títulos didáticos e sistemas de ensino de Ciências e Biologia, entre outros materiais educativos.
Marcos Engelstein é mestre em Biologia pelo Instituto de Biociências da USP. Atua como professor de Ciências do Ensino Fundamental 2 e Biologia do Ensino Médio. É autor de livros didáticos e sistemas de ensino de Ciências Biologia e integra a ABRALE.
Maria Cecilia Guedes Condeixa é bacharel e licenciada pelo Instituto de Biociências e pela Faculdade de Educação da USP. Também é professora e formadora de professores no ensino básico em redes públicas e privadas. Já foi docente de aulas de Didática de Ciências Naturais na Escola do Professor. Elaborou os PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais), o ENCCEJA (Exame Nacional de Certificação de Competências da Educação de Jovens e Adultos) e a primeira versão do ENEM. É membro da ABRALE e autora de livros didáticos e outros materiais educativos.
Para saber mais: https://loja.isesp.edu.br/cursos/todososcursos/bncc-do-1o-ao-5o-ano-ciencias-da-natureza-3/
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