De acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) e registros da Polícia Federal brasileira, em nosso país vivem 750 mil imigrantes, dentre estes, 10.145 refugiados originários de países como Síria, Haiti, Congo, Sudão do Sul, Colômbia e Venezuela.
Deste número, 52% moram em São Paulo, 17% no Rio de Janeiro e 8% no Paraná. Os sírios representam a maioria da população refugiada (35%). Vindos de localidades com conflitos políticos ou de alta vulnerabilidade social, é fundamental que a escola, seja pública ou privada, esteja apta a acolher estes indivíduos independente de sua origem, grupo étnico ou religioso – além de suas famílias – para que a adaptação destas pessoas aconteça da melhor maneira possível. Migrar é um direito humano!
Assim sendo, desde 2018, o Instituto Singularidades oferece um curso de Português para Refugiados e Imigrantes, ministrado pela professora Olívia Nakaema, do curso de Letras da instituição. Desde a sua primeira turma, teve a participação de alunos originários de países como o Sudão do Sul, o Congo e a Síria.
Muitos dos estudantes desse curso vieram para Brasil com todos os seus familiares, e como alguns não tinham com quem deixar seus filhos, traziam-nos para as aulas de Português.
Foi daí que surgiu a iniciativa de criar-se uma forma de acolhimento para estas crianças, por meio da realização da Oficinas de Brincadeiras e Artes, que acontecem no ateliê de artes e na brinquedoteca da faculdade, durante a duração das aulas dos adultos.
Respeito, carinho e diversão
Coordenado pela professora Franciele Busico Lima, do curso de Pedagogia do Singularidades, o objetivo das oficinas é oferecer um espaço no qual as crianças e bebês filhos de estudantes imigrantes ou refugiados possam brincar, aprender e interagir umas com as outras.
Sob a orientação de Franciele, três monitoras preparam semanalmente o ambiente para receber as crianças. Vitoria Gomes Lima, Maria Fernanda Mariz de Oliveira Alvarenga e Cristina Borges, estudantes do curso de Pedagogia de diferentes semestres, montam estações de brincadeiras para diferentes faixas etárias: na dos bebês, há pedaços de tule e outros tecidos, para que eles conheçam diferentes texturas e sensações, além de instrumentos sonoros que despertam a curiosidade dos pequeninos.
Nas outras, que atendem às crianças de 1 a 7 anos (a média de idade dos participantes), há diferentes brinquedos com cores, texturas e formatos. Há uma lousa na parede, papelão e papel no chão para desenhos em giz comum e de cera e uma parede de vidro, na qual as crianças podem usar um spray para pintá-la com tinta colorida (lavável e atóxica). São disponibilizados também materiais não estruturados (caixas, potes, colheres e outros objetos variados) para que as crianças os explorem e criem suas brincadeiras e narrativas.
No dia em que a redação do Blog Singularidades esteve na oficina, em dezembro último, a parede de vidro no qual as crianças pintavam foi o recurso lúdico mais procurado pelos pequenos presentes, uma turma animada formada, em sua maioria, por filhos de imigrantes e refugiados sírios. Naquela tarde, estiveram pelo espaço sete crianças (a mais velha de 7 anos de idade) e dois bebês de menos de 1 ano.
Sempre com músicas infantis brasileiras ao fundo, em baixo volume para não despertar ou assustar os bebês, as atividades são todas acompanhadas pelas monitoras. Elas propõem brincadeiras como fazer massinha, criar “comidinhas” com pequenas bolas de uma espécie de gelatina manuseável, e trazem sempre novos desafios e brinquedos – uma delas tem filhos pequenos e doou grande parte dos que eles não usam mais à oficina –, sempre estimulando as crianças a se comunicarem, ainda que muitas não falem ou saibam poucas palavras em português.
“As crianças acabam tendo a oportunidade de entrar em contato com a cultura do seu novo lugar de viver e com a língua portuguesa brincando. Os pais assistem suas aulas mais tranquilos e em casa acabam trocando com as crianças as experiências dessas vivências. Uma vez fizemos massinhas artesanais com farinha e óleo. A mãe anotou a receita da massa e fez em casa com a filha”, relata a monitora Cristina.
Algumas crianças se revezam entre os espaços do ateliê e da brinquedoteca e a sala de aula onde estudam seus familiares, durante o período em que estão ali. “Os maiores gostam de ir até lá para mostrar aos pais desenhos ou outras coisas que criaram ou descobriram no dia. Já os menores às vezes choram e se sentem mais seguros de ver a mãe ou o pai ali por perto e ficam um pouquinho com eles”, relata Vitória.
Maria Fernanda conta que nem sempre a proposta das estações se mantém, porque as crianças mudam os brinquedos de lugar, os grandes querem usar algumas coisas que estão na parte dos bebês, e vice-versa. “Nem sempre sai conforme planejamos, e a nossa ideia desde o princípio era essa, que nada fosse fixo, que eles pudessem dar novos usos e criar a partir dos materiais que oferecemos”, complementa.
O projeto atendeu a 23 crianças neste último semestre. Algumas alunas que começaram a frequentar o curso grávidas trouxeram seus bebês, agora com poucos meses, para as atividades. Sempre sob a orientação da professora Franciele, as monitoras documentam num relatório semestral o desenvolvimento de cada um dos pequenos, a partir de uma ficha preenchida pelos pais com idade, preferências alimentares, alergias etc.
As três estudantes que participam desse projeto de extensão universitária dizem estar muito felizes com os resultados. Para elas, é muito especial acompanhar o desenvolvimento das crianças, com as quais nem sempre é fácil se comunicar pela barreira linguística, que com carinho e atenção é quebrada. Cristina ressalta que as interações entre todas as crianças, seus pais e as monitoras são o ponto central dessa importante experiência.
“Há alguns que chegaram pequenos e tímidos, e em seis meses já estão soltos, se arriscam a falar umas palavras na língua portuguesa, já ficam mais tempo aqui que com a mãe. Observar e participar disso é muito recompensador”, complementa Vitória.
O curso de português para Refugiados e Imigrantes é ministrado duas vezes por ano. A data de início do primeiro semestre de 2020 ainda não foi definida, mas as informações são divulgadas na página do Facebook do Instituto Singularidades.
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