Criado em 2001 pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), o Dia Mundial do Refugiado passou a ser comemorado a cada 20 de junho, seguindo resolução aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas.
Esta data é uma oportunidade para homenagear a coragem, a luta e a força de todos aqueles que tiveram que deixar suas pátrias, seus lares e, muitas vezes, parte de suas famílias por conta de perseguições, conflitos armados, perseguições ou catástrofes naturais.
Segundo a Acnur, nos últimos 10 anos, em torno de 68,5 milhões de pessoas – um número bastante expressivo – em todo o mundo foram obrigadas a deixar tudo para trás, sem perder a esperança de reconstruir a vida em um novo lugar. Entre elas há quase 25,4 milhões de pessoas refugiadas, e os menores de 18 anos formam mais da metade deste imenso contingente.
No relatório “Refúgio em Números” divulgado pelo órgão, o Brasil registrou um total de 10.145 refugiados de diversas nacionalidades, sendo que 52% moram em São Paulo, 17% no Rio de Janeiro e 8% no Paraná. Os sírios representam 35% da população refugiada registrada no país.
Neste processo de adaptação do status de cidadão de um país e refugiado em outro, muitas vezes com língua e cultura totalmente diferentes dos seus originais, grande destes indivíduos encontram na educação e na aprendizagem da nova língua e novos costumes um alento. As dificuldades são grandes, mas as conquistas, quando acontecem, também.
Conversamos com a professora Olívia Nakaema, professora da licenciatura em Letras do Instituto Singularidades sobre o acolhimento, a aprendizagem e os desafios dos professores de alunos nesta condição. Olívia ministra os cursos para imigrantes e refugiados da instituição e nos conta a seguir um pouco da sua experiência.
Que diferenças de acolhimento em sala de aula existem para com o aluno estrangeiro imigrante (que pode ter vindo numa situação mais confortável para o Brasil) e o refugiado, que muitas vezes fugiu de guerras ou outras situações de risco humanitário?
Por definição do Ministério da Justiça, refugiado é aquele que é “forçado a deixar seu país em busca de proteção em razão de perseguições e grave violação dos direitos humanos”. No entanto, no Brasil há diferentes situações de pessoas estrangeiras.
Há refugiados que chegam aqui fugindo de uma guerra, mas conseguem o apoio da família e trazem consigo algum recurso financeiro. Também existem casos de pessoas que o Brasil não reconhece como refugiado – por não vir de um país em que há conflitos – mas que enfrentam situações difíceis no seu país de origem, como a falta de recursos econômicos.
Assim, é muito complicado acharmos que um refugiado estará sempre em situação diferente que a de um imigrante. Na sala de aula, é possível perceber as dificuldades enfrentadas pelos alunos e procurar remediá-las de alguma forma. Por exemplo, nas nossas aulas de português para refugiados e imigrantes, procuramos atender gratuitamente a todos os alunos, sem diferença.
Em algumas ONGs onde o português é ensinado, além do curso gratuito, alguns alunos também recebem gratuitamente passes de metrô, para que possam frequentar o curso. Deste modo, dentro das possibilidades de cada professor, é possível detectar alguns problemas dos alunos e tentar ajudar.
Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), 34% dos refugiados (de origens como Síria, Haiti, Venezuela e países africanos em conflito, como o Sudão do Sul) que vivem no Brasil já chegam com formação universitária. Como o professor de português para pessoas nesta condição pode ajudá-los a lidar com essa situação de “ter de começar do zero”?
Independente da formação universitária prévia, normalmente o estrangeiro se vê na situação em que precisa estudar português para realizar atividades diárias e conseguir um trabalho com registro em carteira.
O professor de português pode otimizar os estudos dos refugiados com maior formação, acelerando a sua aprendizagem. É muito comum que alunos com maior formação universitária e conhecimentos em inglês ou francês ou espanhol aprendam mais rápido o português.
Por outro lado, infelizmente, pessoas de baixa escolaridade demonstram muitas dificuldades para aprender. Nesse caso, o professor precisará dedicar mais atenção, começando, muitas vezes, pela alfabetização em português.
Há relatos na imprensa de muitos sírios que chegaram em São Paulo nos anos de maior fluxo destes refugiados (entre 2013 e 2015) e aprenderam fragmentos do português para serem capazes de conseguir trabalho e assim se manterem e às suas famílias. Que outras necessidades são relatadas por esses alunos nos seus cursos?
Sim, muitos estrangeiros acabam dedicando-se ao estudo do português assim que chegam ao Brasil para conseguir uma colocação profissional. Embora haja essa demanda, muitos alunos relatam a dificuldade de encontrar cursos de português para estrangeiros, principalmente nos níveis mais avançados.
Outra necessidade dos alunos é a dificuldade de revalidar o diploma universitário no Brasil, o que dificulta conseguir um emprego na área de formação. Assim, por não conseguirem revalidar o diploma, acabam se sujeitando a empregos precários ou se lançam a trabalhar no comércio.
Quais as maiores dificuldades destes alunos, independente de sua origem e idade (tanto adultos quanto crianças)?
Além da questão econômica, pois muitos alunos perderam seu poder aquisitivo ao fugirem de seus países, os alunos relatam que a distância da família e dos amigos é algo muito doloroso.
Há famílias que estão espalhadas pelo mundo e não conseguem se reunir em lugar algum. Acredito também que a lembrança da violência vivida (som das explosões, imagens da cidade destruída, pessoas feridas e mortas etc) em seus países de origem é ainda uma ferida aberta, mesmo estando no Brasil. Há muita gente que carrega traumas difíceis de serem superados.
É grande a evasão do aluno refugiado? Se sim, por que?
Sim, é grande. No caso dos alunos adultos, é comum faltarem às aulas por motivos profissionais e familiares, como uma doença do filho ou nascimento de um bebê. Como estão, na sua maioria, sem uma família ou rede de apoio no Brasil, os pais não têm com quem deixar os filhos durante as aulas.
No curso que ministro no Instituto Singularidades, tivemos, só neste semestre, três mulheres que deram à luz a seus bebês. Como aceitamos que as famílias tragam seus filhos para as aulas, a evasão não é tão grande.
Mas imagino que seria muito maior se não tivéssemos essa política de acolhimento. Além disso, o imigrante não tem normalmente muitas opções de trabalho, por isso, muda-se com frequência, buscando colocação profissional.
No caso de crianças, a legislação brasileira (art. 208, inc. I; art. 227 da Constituição de 1988) garante a obrigatoriedade da educação de menores, sem distinção de nacionalidade. Isso garante que todas as escolas tenham a obrigação de receber crianças estrangeiras e que todos os pais matriculem seus filhos nas escolas brasileiras.
Que conselhos você daria aos professores que ensinam a língua portuguesa – e acabam também se tornando agentes de inclusão – a esse grupo tão particular?
Aos professores, recomendaria que buscassem uma formação voltada para o ensino de português como língua de acolhimento. Há cursos e grupos de estudos e pesquisas voltados para o aperfeiçoamento do professor. Estes podem ajudar o docente a entender melhores estratégias de ensino visando à inclusão de grupos de estrangeiros.
Além disso, conhecer a cultura e religião dos estrangeiros também contribui para um melhor acolhimento e conhecimento recíproco. Por exemplo, durante datas religiosas, alguns alunos não puderam comparecer às aulas. Ser flexível com esse tipo de situação é muito importante. E ao conhecer e valorizar o estrangeiro, nós podemos contribuir para enriquecer a visão multicultural do Brasil.
O curso de Português para Refugiados e Imigrantes do Instituto Singularidades é ministrado duas vezes ao ano, e o do segundo semestre começará em agosto. A partir de julho divulgaremos as informações para inscrição na página do Facebook do Singularidades.
Olívia Nakaema é bacharel em Direito e Letras, e licenciada em Português e Japonês, além de mestre pelo Programa de Língua, Literatura e Cultura Japonesa, ambos pela Universidade de São Paulo (USP). É professora do curso de Letras do Instituto Singularidades
Para saber mais: http://institutosingularidades.edu.br/
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