O Brasil viveu, nas últimas décadas, o chamado bônus demográfico, situação etária em que a população economicamente ativa (de 15 a 64 anos) cresce a taxas mais elevadas do que a população total. Com base em estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), alguns economistas afirmam que esse ciclo começa a se encerrar neste ano. As taxas se invertem e, de agora em diante, a população como um todo (incluídos crianças e idosos, estes, cada vez em maior número) passará a ter maior dependência econômica daqueles que geram renda.
Um dos efeitos possíveis e desejáveis de um bônus demográfico é o seu potencial máximo de produção, ideal para o crescimento econômico. No entanto, por uma série de problemas estruturais e conjunturais o país está deixando essa oportunidade escapar.
Uma das principais parcelas dessa população ativa encontra-se em um limbo social de difícil solução. São os chamados nem nem, jovens entre 14 e 29 anos que nem estudam, nem trabalham.
Ainda de acordo com o IBGE, considerada a força total de trabalho, que corresponde hoje a cerca de 100 milhões de pessoas, 11 milhões são classificados como nem nem. Entre eles, aproximadamente 70% são mulheres. Muitas são mães e outras, por razões culturais e econômicas, trabalhadoras do lar.
Como a escola e a sociedade podem aproveitar este potencial desperdiçado
Esses jovens têm poucas perspectivas de ocupar empregos formais ou de retornar aos bancos escolares, ainda mais na atual crise econômica. Cerca de metade deles não possui nem o Ensino Fundamental completo, o que os qualifica muito pouco para a obtenção de empregos.
Por sua vez, em um país onde a escola tem pouca conexão com o mundo do trabalho e com os interesses da juventude, é difícil imaginar que esses meninos e meninas terão motivação efetiva para viver longos anos letivos, repletos de aulas desinteressantes e sem sentido imediato.
Vivendo em condição de pobreza, muitos abandonaram os estudos à procura de trabalhos precários e mal remunerados ou para cuidar dos filhos ou dos irmãos mais novos, enquanto os pais trabalham. A baixa qualificação os impele a procurar empregos que exigem pouca criatividade, em geral caracterizados por tarefas mecânicas e repetitivas. São justamente as ocupações mais propensas a ter a força humana substituída por robôs.
Estimativas apontam que, até 2020, cerca de cinco milhões de postos de trabalho serão eliminados em decorrência das novas tecnologias. Se hoje o Brasil tem cerca de 13 milhões de desempregados, poderá atingir recordes históricos de desocupação nos próximos dois anos.
Para que o contingente dos nem nem não seja abandonada, toda a sociedade terá de empenhar grande esforço para absorver esses jovens em funções ainda não imaginadas. O potencial produtivo deles é fabuloso e precisa ser recuperado com estímulo e remuneração digna. Nenhuma nação que se pretende desenvolvida pode virar as costas para esse contingente enorme de potenciais trabalhadores.
De maneira estrutural, é necessário criar e implementar políticas públicas de inclusão e desenvolvimento para os nem nem. A maioria deles é de negros, pobres e mulheres. Políticas afirmativas precisam extrapolar as questões ideológicas. Educar, instruir e desafiá-los a desenvolver o máximo potencial só tem a contribuir com o desenvolvimento do país.
Além de reinseri-los na trajetória educacional, será preciso acompanhar as reformas educacionais, como a atual Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do Ensino Infantil e do Ensino Fundamental, que propõe o desenvolvimento de competências mais adequadas à contemporaneidade.
Todo cidadão brasileiro deve se informar sobre essa fase de elaboração de novos currículos escolares e questionar, em sua comunidade, se a escola está, de fato, trazendo significado aos estudantes, empregabilidade e consciência cívica.
Nesse aspecto, o mundo do trabalho – principalmente, os gestores de RH – deve acompanhar atenciosamente as modificações que vêm ocorrendo nas políticas educacionais. Afinal, na escola são preparados os futuros trabalhadores.
Para o país gerar mais riqueza e justiça social, o setor educacional precisa considerar a formação de jovens preparados para atuar em novos modelos de produção, baseados na criatividade, na resolução de problemas com autonomia, com responsabilidade social e ambiental.
Uma escola ágil e atraente será capaz de tirar o primeiro nem dos nossos jovens. Mas a responsabilidade das empresas também é grande. É preciso oferecer condições para que os jovens possam trabalhar e se desenvolver ao mesmo tempo. Por exemplo, jovens mães precisam ter acesso a creche ou ter jornadas de trabalho com horários mais flexíveis. O mesmo vale para o jovem trabalhador que quer retomar os estudos.
Por vezes, um vale-transporte a mais, que permitirá ao jovem deslocar-se do trabalho para a escola e da escola para sua casa, pode fazer enorme diferença. Sistemas de tutoria e coaching nas empresas também podem funcionar como incentivo para o empenho nos estudos. Com ações nesse sentido, vai sendo possível eliminar o segundo nem.
Miguel Thompson é Diretor Executivo do Instituto Singularidades. Licenciado em Biologia pela Universidade Mackenzie, doutor e mestre em Oceanografia pela Universidade de São Paulo (USP), Thompson também tem um MBA em Marketing pela Fundação Instituto de Administração, da mesma instuição.
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