Entre as produções cinematográficas e televisivas atuais que têm a educação como foco, uma particularmente chamou muito a atenção de educadores, estudantes e do público em geral, a espanhola Merlí
Produzida pela Netflix, a série é ambientada em uma escola pública de Barcelona e tem como personagem principal um professor substituto de filosofia, em uma turma de segundo ano do ensino médio. Merlí chega para revolucionar a forma com que são dadas as aulas, o relacionamento professor-aluno e o espaço da escola.
A série tem duas temporadas e é um convite ao riso, ao choro e à reflexão. A seguir citamos cinco lições – com alguns spoilers – que a série deixa para os futuros e atuais professores.
Ensinar a partir da realidade do aluno
Na série, Merlí é um homem em seus 50 anos, cheio de energia e nem um pouco afeito às formalidades da escola. Vem para substituir o antigo professor de filosofia por uns meses, mas acaba ficando definitivamente.
O ar bonachão, com aulas cheias de tiradas divertidas esconde um olhar sensível. O professor é atento a cada um dos alunos, suas vidas e seus problemas. Ao invés de seguir a estrutura tradicional de aula, apresenta o conteúdo de uma forma que dialogue com a realidade dos jovens, ajudando-os a pensar, que é o objetivo final da filosofia.
Agindo desta forma, Merlí desperta na classe o interesse pela disciplina, pelos filósofos e, principalmente, por aprender cada vez mais, tornando-se um modelo e um grande amigo de cada um daqueles jovens.
Professor e estudantes podem ser amigos? Claro que sim!
Um dos alunos de Merlí é seu filho, Bruno, com quem tem um relacionamento conflitante. Seus pais acabam de se separar e ele é pouco próximo da figura paterna. O adolescente sente ciúmes do carisma e da admiração que seus seus colegas têm pelo pai e, em princípio, se revolta não apenas com isso, mas também por não saber lidar com o jeito pouco convencional dele. Felizmente, o garoto vai mudando de comportamento ao aproximar-se mais e compreender o jeito de ser dele.
O professor se torna próximo de cada um dos alunos e os ajuda em seus problemas pessoais. Um deles, Pol, ao contrário da maior parte de seus colegas, vem de uma família pobre e, num dado momento, tem de escolher entre o estudo e o trabalho. Aluno brilhante, ele é ajudado por Merlí a seguir na escola.
Outro estudante com quem Merlí desenvolve um relacionamento de amizade é Iván, que no momento em que o novo professor chega à escola está afastado, por sofrer de depressão profunda. O professor visita o menino várias vezes, ensina-o em casa, até ajudar a quebrar a barreira da doença e trazê-lo de volta para a escola.
Respeito à diversidade
Um dos pontos mais interessantes da série é a forma natural com que trata de temas como homossexualidade (há três alunos gays na turma); transsexualidade (na segunda temporada é contratada temporariamente uma professora trans para ensinar castelhano); diferenças sociais (grande parte dos alunos é de classe média e média alta, mas Pol e Iván vivem com dificuldades financeiras graves) e gravidez na adolescência (Oksana, uma das alunas, foi mãe aos 15 anos e tem de conciliar a escola com a criação de seu filhinho).
Todos são bem acolhidos em sala de aula por Merlí e também pela escola, que mesmo seguindo um padrão mais tradicional, lida muito bem com os diferentes tipos de alunos, tornando-se cada vez mais aberta ao diálogo e à compreensão, muito pela influência do professor fora do padrão.
Lugar de aula não é só a sala
Num dos primeiros episódios da série, o professor leva seus alunos para a cozinha da escola, e em seguida, ao jardim, para falar-lhes da escola de filosofia peripatética. Tendo à frente Aristóteteles, os peripatéticos eram conhecidos na antiga Grécia por travar suas discussões caminhando, sempre em diferentes lugares.
A ideia de Merlí era mostrar como cada linha e cada filósofo pensava e atuava, e isso incluía colocar em prática o que cada uma delas ensinava, não apenas entre as quatro paredes da sala. Parques, praças, centros culturais e excursões à montanha são alguns dos cenários dos ensinamentos do professor.
Ensinar é transgredir
Ao chegar à escola, Merlí causa espanto nos outros professores mais “certinhos”: faz piadas na sala de professores, flerta com colegas professoras, discute abertamente com o diretor, discorda da forma com que são feitos os planejamentos e, ainda, se nega a avaliar seus alunos por meio de provas.
Com o passar do período letivo, o professor rebelde vai mudando junto com a escola, o que chega a um equilíbrio interessante. Merlí passa a seguir algumas das regras, aquelas que vêm não apenas da escola, mas da “secretaria de educação” da cidade, assim como os diretores e os coordenadores permitem que ele trabalhe da forma que prefere, desde que não deixe de cumprir com as obrigações burocráticas, que também fazem parte da vida docente.
Outro ponto em que Merlí destoa de seus colegas é como participa da vida dos alunos, ajudando-os e apoiando em seus conflitos, escutando-os em suas queixas, colocand0-se sempre à disposição e dando broncas necessárias. Cria um laço dos mais fortes com sua turma, destes que jamais se desfará, aconteça o que acontecer.
A dor docente é real
A série também mostra as dificuldades dos professores: no caso de Merlí, as preocupações econômicas (ele e Bruno moram com sua mãe, uma famosa atriz catalã, porque seu salário não é suficiente para pagar o aluguel de um apartamento próprio); os conflitos emocionais (ele tem um relacionamento amoroso tumultuado, com a mãe de um de seus alunos) e as crises existenciais (o docente é suspenso por mau comportamento várias vezes e questiona seu jeito de ensinar em alguns momentos).
Paralelo aos questionamentos do professor principal há os de seus colegas, como Mireia, que leciona latim e tem problemas tanto em engajar seus alunos em seus conteúdos como em sua vida pessoal, vivendo um casamento falido e não tendo tempo suficiente para estar com seus filhos. Ela acaba se aproximando de Eugeni, o diretor, com quem acaba namorando depois de separar-se.
A série plasma na tela, de forma ora doce, ora forte e sempre muito sensível a vida de uma escola democrática e as aulas de um professor antenado com o futuro. Ainda que não utilize tecnologia em sala de aula, Merlí conhece a fundo as engrenagens do ser humano, o que sem dúvida é uma das competências mais importantes que os docentes dos dias de hoje devem desenvolver.
Para saber mais: http://institutosingularidades.edu.br/novoportal/
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