As intervenções hoje almejadas para imprimir qualidade à formação básica dos estudantes brasileiros são muitas e, muitas vezes, contraditórias entre si e aparentemente – senão efetivamente – inaplicáveis à realidade de ensino e estudo de professores e alunos. E a BNCC, com sua linguagem complexa, parece dificultar ainda mais o processo.
Grande parte desse nosso desconforto, enquanto professores que estamos no chão da escola com os bolsos manchados de giz e o celular repleto de mensagens de colegas, alunos e seus responsáveis, é justificável e tem uma mesma causa: a formação inicial nas licenciaturas no Brasil é alicerçada em discussões teóricas sobre teorias, não sobre práticas.
A crítica é antiga, mas é real: mesmo nas melhores faculdades, não efetivamente manipulamos currículos, práticas de sala de aula, matrizes de avaliação, teorias atualizadas sobre a aprendizagem humana, pesquisas empíricas sobre o ensino em salas de aula brasileiras etc.
Enquanto não se resolve o problema da formação inicial, temos de agir sobre a nossa formação continuada, tanto dentro da nossa própria comunidade escolar – como em reuniões de equipe –, quanto fora, como em cursos de pós-graduação.
É fundamental que essa formação seja voltada à práxis, isto é, à prática e à reflexão teórica sobre ela, e à consequente prática mais consciente depois da teorização – e assim sucessivamente.
Para a transformação de nossa atuação profissional, é necessário o estudo conjunto, empírico e teórico, das inúmeras demandas da educação brasileira atual (BNCC, solidez acadêmica, avaliações externas, competências socioemocionais e morais, ensino híbrido, inclusão, embasamento teórico e prático alicerçado nas melhores evidências científicas, metodologias ativas, formação integral, neurociências da educação etc), pois, de maneira isolada e/ou puramente teórica ou prática, incorrendo no risco de ser tecnicista, não colheremos bons frutos.
A proposta, apesar de óbvia e já há muito tempo diagnosticada e prescrita, é muito difícil de ser planejada sem o auxílio de uma área que há algum tempo vem aparecendo na educação e vem também sendo secundarizada por parte de alguns de nós: o design.
É evidente que, muitas vezes, o senso comum acaba transformando as contribuições do design para a educação em um mantra que a nós, educadores, soa como uma empresarização da escola, um barateamento do conhecimento escolar e um abandono das funções acadêmica, cultural, científica e social da escola.
No entanto, não é assim e não precisa ser desta forma. As metodologias do design não servem para transformar qualquer conteúdo escolar em um projeto bonito, porém superficial, como infelizmente nos parece ser o que acontece.
Na verdade, elas servem para nos ajudar a construir, com maior solidez e coerência, qualquer projeto que envolva múltiplos fatores, detalhes e etapas, independentemente de tradicionalismo ou inovacionismo por parte dos educadores.
O design como aliado do professor
Como juntar, efetiva e qualitativamente, o Movimento Uniformemente Variado da Física com as descobertas da neurociência, as competências gerais e as habilidades da BNCC, a mais atual e cientificamente aceita teoria de aprendizagem, o ensino remoto e a inclusão do aluno público-alvo da Educação Especial? É muita coisa!
Algo, invariavelmente, vai ficar para trás e vamos nos sentir profissionais incompletos – ou, inevitavelmente, em algum momento, o grupo de profissionais que encarar essa empreitada pode entrar em um desgaste enorme.
Nesses contextos, as metodologias de design nos guiam justamente nessas missões semi-impossíveis que nos são dadas, visto que, em sua essência, tais abordagens são um conjunto de técnicas e ferramentas para a solução criativa desse tipo de problemas.
Sob uma perspectiva relativamente simplista – mas não menos potente e relevante – o design thinking é uma mentalidade, uma abordagem baseada em pilares como a empatia, o trabalho colaborativo e a iteração (prototipagem, testes e validações).
Com o aporte teórico e prático do design, conseguimos planejar e sequenciar melhor nossas práticas pedagógicas, refletir sobre elas antes, durante e após a sua aplicação, mapear com clareza os pontos fracos e fortes, intervir sobre o que precisa ser mudado – e isso independe de a concepção pedagógica da escola ser X, Y ou Z.
O design é um aliado da educação e temos de aprender a manipulá-lo a nosso favor, principalmente em nossa formação continuada (em que já estamos com as mãos ressecadas de giz e o paladar desgastado por café e pastilhas de garganta), visto que os prazos são sempre para ontem e as expectativas – nossas, de colegas, de alunos e de responsáveis –, altas.
Ao estudarmos os aspectos mais contemporâneos da educação em parceria constante com as metodologias do design para a pedagogia (tanto teórica quanto empiricamente), teremos a tão almejada formação docente baseada na práxis, em que o ensino e a pesquisa andam sempre juntos.
O design pode nos ajudar a mapear e planejar nossas práticas curriculares e, com isso, poderemos ter maior discernimento sobre quais metodologias poderão ou não ser aplicadas em determinado ponto do curso, em determinada avaliação ou em determinado projeto.
O design, em vez de ser mais um dos modismos educacionais datados, pode ser um grande aliado para, justamente, nos esquivarmos deles, visto que teremos maior clareza e solidez argumentativa na defesa de nosso posicionamento pedagógico a respeito de quais das muitas demandas que nos são e serão impostas são ou não adequadas para nossos fins didáticos.
Arthus Bustamante é educador formado pela Universidade de São Paulo (USP) e pelo Instituto Singularidades, professor de Ensino médio no Colégio Bandeirantes e autor do Sistema FTD de ensino. Em ambas as instituições, atua no alinhamento do currículo de língua portuguesa à BNCC. É coordenador da pós-graduação “BNCC no Ensino Médio: práticas para o currículo escolar”, no Singularidades.
Daniel Kraichete é designer industrial e mestre em Engenharia de Transportes. Professor de Gestão da Criatividade e inovação, design estratégico e criatividade em MBAs e cursos de graduação, atualmente integra a equipe da Turma do Jiló como especialista em inteligências emocionais e é co-fundador da Escola de Impacto. É coordenador da pós-graduação “BNCC no Ensino Médio: práticas para o currículo escolar”, no Singularidades.
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