Muito se tem falado sobre as escolas democráticas no Brasil e no mundo nos últimos dez anos. Há várias abordagens que tem como objetivo permitir aos alunos maior comando sobre os rumos de sua aprendizagem (como a Reggio Emilia, sobre a qual escrevemos aqui no blog) e todas têm como inspiração a inglesa Summerhill School.
Fundada pelo escritor escocês Alexander Sutherland Neill (mais conhecido como A.S Neill), a Summerhill School existe há 97 anos. A primeira sede foi em Dresden, na Alemanha, e desde 1927 está em Suffolk, cidade litorânea a cerca de 200 quilômetros de Londres. Numa grande propriedade em meio à natureza, alunos, professores e funcionários convivem em pé de igualdade, buscando sempre o equilíbrio entre a liberdade e a responsabilidade
A escola funciona em regime de internato e as aulas são opcionais. Visionário, Neill acreditava que cada aluno iria responder aos estímulos da aprendizagem no momento em que quisesse, dando voz à curiosidade que faz parte da natureza humana.
O currículo contém as mesmas matérias da base curricular inglesa, mas adaptadas para as necessidades, o ritmo de aprendizagem e o tempo disponível de cada aluno (hoje são 78, originários de vários países, com idades entre 5 e 18 anos). Os estudantes voltam para casa três vezes ao ano, quando podem dispor de 4, 5 e 8 semanas com suas famílias e amigos.
Os resultados entre os alunos que prestam o exame equivalente ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) no Reino Unido têm sido excelentes, o que mostra que a coragem de Neill em criar uma escola revolucionária num país extremamente conservador e logo após a Primeira Guerra Mundial tem funcionado.
O legado de A.S Neill
A escola ocupa uma grande área na parte rural de Suffolk. Além das salas de aula, a propriedade abriga laboratórios, salas de jogo e cinema, paredes de escalada, piscina e dormitórios. Uma parte dos funcionários (professores e house parents, funcionários que cuidam da parte residencial da escola) mora também na escola.
Duas vezes por semana acontece a reunião geral, onde toda a comunidade escolar (direção, funcionários, professores e alunos) tem direito a opinar, prestar queixas, fazer sugestões ou votar em algum tema importante na semana.
Neto de A. S. Neill, Henry Readhead visitou o Instituto Singularidades na semana passada (dia 29 de agosto). Readhead deu uma palestra aos alunos e professores da instituição sobre sua experiência com a educação democrática na instituição criada pelo patriarca da família, onde sua mãe, ele e seu irmão também foram alunos.
Em conversa com o CEO Miguel Thompson e a diretora administrativa Luciana O’Reilly, e ciceroneado no Brasil pelo professor paulistano Augusto Cuginotti, que foi professor em Summehill durante dois anos, o diretor comentou as dificuldades em gerir uma escola democrática nos dias de hoje.
“O grande desafio é fazer com que a maior parte das pessoas entenda que conseguimos trabalhar muito bem com nossos alunos. Hoje em dia existem centenas de escolas ao redor do mundo sendo geridas de forma democrática e tem dado certo. Acho que para a sociedade de hoje é muito importante valorizar o indivíduo e seu próprio desenvolvimento”, explica.
Augusto deu aula de ciências em Summerhill entre 2010 e 2012. Chegou até lá por meio de sua esposa, Andresa, que depois de formar-se em Pedagogia foi trabalhar como house parent na escola. Para ele, o período na escola inglesa lhe deu uma nova perspectiva sobre o convívio em comunidade, formada, à época, por mais ou menos 70 alunos e 11 pessoas do staff.
“Você acaba desenvolvendo este foco na educação individualizada por viver no mesmo espaço, então aprende a se relacionar melhor com os alunos. Eu dava aula de ciências e tinha um laboratório, mas não eram todas as crianças que tinham interesse na minha matéria. Então, a gente foi fazendo adaptações para que elas pudessem aprender um pouco mais. Não havia uma metodologia específica: era mais descobrir o interesse real deles, estar próximo para prover o necessário”, relata o professor.
O viver e o ensinar
Como além de darem aula os professores também vivem na escola, há aí o aprendizado do convívio. Perguntado por Thompson sobre a formação dos docentes da escola, Readhead explicou que o “viver” era o primeiro elemento nesta equação, e depois vinha o “ser professor”.
Segundo ele, uma das coisas mais poderosas e mágicas na comunidade Summerhill é a igualdade existente entre pessoas que se respeitam mutuamente. Nos primeiros estágios, explica, alguns dos professores podem ter alguma dificuldade com isso, porque vieram do sistema tradicional, em que há hierarquia e controle.
“Em Summerhill nós não precisamos disso. Nossa filosofia da liberdade e do convívio implica que cada um deve controlar a si mesmo, mas muitas vezes ser igual pode ser desafiante, porque há diferenças emocionais e pessoas que levam mais tempo para adaptar-se a isso”, conta.
Readhead explicou que não há hierarquias entre os alunos e os professores porque, segundo a filosofia da escola, quando elas e a autoridade estão presentes, os alunos dão um passo atrás no processo de aprendizagem.
Então, além de ter uma boa experiência prévia em sala de aula, o professor de Summerhill tem de saber lidar com os alunos individualmente, porque cada um aprende em um ritmo e à sua maneira. E também é importante criar um círculo de confiança, o que ajuda na aprendizagem.
O diretor da Summerhill School também reforçou que, dentro deste campo da confiança, o apoio entre os docentes é constante e importantíssimo para fortalecer o ambiente de aprendizagem.
“Como equipe, nós somos muito próximos e sempre estamos ajudando uns aos outros. Se por acaso eu ou outro professor mais experiente soubermos que alguém está tendo uma dificuldade, podemos nos oferecer para ajudar. Temos de ter certeza de que podemos fazer isso juntos”.
Augusto Cuginotti conta que como ele não veio de um ambiente escolar em que as aulas eram obrigatórias e as cobranças por resultado grandes, a adaptação ao sistema Summerhill foi mais simples. Para ele, um dos pontos altos nesse processo individual é que não há pressa e nem pressão.
“Por exemplo, eu tive um aluno que é autista. Como receber este aluno? Se você não tem pressa de colocar um sequencial de que ele precisa aprender isso até a data tal, eu posso acolhê-lo, abrir uma possibilidade para que ele possa gostar de ciências”, avalia.
Augusto acredita que a grande força de Summerhill é justamente a não obrigação das aulas. “Poder ter essa relação próxima com os alunos permite que eles possam olhar para a gente também para as matérias de uma forma relacional, mais real”, analisa o professor.
Gestão 90% democrática
Uma das características da Summerhill e de grande parte das escolas democráticas é a participação dos alunos em praticamente todos os processos. No caso da escola inglesa, o único ponto em que não há envolvimento dos alunos é na área financeira, conforme explicou Henry Readhead, respondendo à questão da diretora Luciana O’Reilly sobre como a escola era gerida.
A escola é mantida pelas anuidades pagas por seus alunos. Em 1999 Summerhill passou por uma situação difícil. O governo britânico ameaçou fechá-la se as aulas seguissem sendo opcionais, mas depois de intensas negociações e apoio de outras escolas democráticas ao redor do mundo – membros da International Democratic Education Network (Iden) – se manteve firme e forte.
Nas reuniões da comunidade escolar de Summerhill, o tema da gestão financeira nunca é levado, mas sim tratado em encontros entre a diretoria, funcionários e professores. Nestas ocasiões são discutidas as necessidades de investimentos, contratações, manutenções de equipamentos e edifícios, por exemplo. Todos os membros da equipe e da direção têm comunicação aberta e diária.
Readhead conta que a escola já recebeu críticas por não incluir os alunos em questões gerenciais, como se não fosse tão democrática assim. Ele e os outros membros da diretoria preferem que os alunos se envolvam em questões que afetem a vida diária deles, como organizar eventos e festas, ajudar a manter a ordem nos dormitórios e serem ombudsmen (espécie de ouvidores, que recebem críticas e sugestões).
“Meu avô, em uma de suas famosas frases costumava dizer que não se pode fazer das crianças pequenos adultos. Nós estamos mais preocupados com a vida diária deles, com o seu desenvolvimento sócio-emocional, com o ensino e com os seus interesses. Desta forma, eu diria que a escola é de 90 a 95% democrática, e que as crianças estão envolvidas com pelo menos 80% das decisões que tomamos em alguns campos, mas não finanças.”, conclui o herdeiro de A. S. Neill.
Para saber mais: www.institutosingularidades.edu.br
Entre em contato: [email protected]