Formar professores no Brasil é uma questão premente. A crítica de que os cursos de formação inicial de professores são muito teóricos é recorrente. A relação entre teoria e prática é sempre questionada. Como compreender esses questionamentos e pensar em novos modos de formação?
Para um bom início de conversa, é preciso ter uma concepção de prática, ou seja, qual é o eixo epistemológico em que se baseia a prática na formação do professor?
Em primeiro lugar, prática não é sinônimo de fazeção. Em segundo lugar, a prática não é a mera aplicação da teoria. A partir dessas premissas, assumimos um eixo epistemológico que pressupõe que, na formação do professor, deve existir um movimento de mútua regulação entre teoria e prática (prática → teoria → prática).
Justifico: rompe-se com a ideia de transmissão passiva dos conteúdos, e a aprendizagem da profissão de professor passa a ter um elemento central que é o conhecimento da prática dos envolvidos no processo. Valoriza-se a experiência, o processo de fazer e refletir sobre esse fazer, e os problemas que são postos nos ambientes profissionais.
Gosto da ideia que vê a teoria como expressão da prática, em que a realidade, as experiências e a reflexão sobre o vivido são aspectos relevantes para a formulação de paradigmas educacionais.
Múltiplas percepções
Deste modo, na formação inicial, a experiência vivida pelos estudantes nos estágios e nas atividades de extensão universitária são situações que ocasionam múltiplas percepções da realidade e, quando tematizadas e refletidas, transformam-se em conhecimentos. Realiza-se um “saber na prática” e um “saber da prática” como elementos básicos para o processo de formação profissional.
Em acordo com Gatti, Barreto e André (2011)[1], a formação inicial deve propiciar o acesso a um conjunto de conhecimentos necessários para a prática docente, e esse conjunto de conhecimentos constituirá a formação da profissionalidade e da profissionalização do professor.
Profissionalidade vista como o conjunto de características de uma profissão que enfeixam a racionalização dos conhecimentos e das habilidades necessários ao exercício profissional. E profissionalização como a obtenção de um espaço autônomo, próprio à sua profissionalidade, com valor claramente atribuído pela sociedade como um todo (RAMALHO, NUÑEZ; GAUTHIER, 2003).
A profissionalidade e a profissionalização têm início em práticas pré-profissionais na formação inicial e tem continuidade no seu desenvolvimento profissional, após a graduação. O professor deverá ter, na formação continuada, uma vivência que, se reflexiva e contextualizada (portanto, significativa), poderá regular, organizar, sistematizar, ampliar e favorecer a evolução de sua prática profissional.
Tanto na formação inicial, quanto na continuada (ou seja, entre estudantes e profissionais), podemos pensar em experiências colaborativas que tenham como eixo de intersecção os saberes na prática e da prática.
Os cursos de Pedagogia, e as demais licenciaturas, podem ampliar o locus de seu ambiente formativo, conjugando o espaço das instituições de ensino superior (doravante, IES) com os locais nos quais acontecem as práticas e as trocas pedagógicas.
A formação de um profissional próximo das necessidades da comunidade, articulando os saberes e a teoria à prática profissional, demanda essas experiências. Isso pode ser feito a partir do desenvolvimento de parcerias entre IES e Redes de Ensino, atendendo não só os estudantes, mas também os egressos formados pela instituição e os professores em serviço.
Relato de Experiência
Com base na perspectiva apresentada anteriormente, relataremos, na sequência, uma experiência ocorrida entre o Instituto Singularidades (IES) e a rede de ensino do município de Pindamonhangaba (SP).
O que pretendemos é exemplificar possíveis modelos de formação (inicial e continuada) que enfatizam essa parceria e consideram, como protagonistas dessa ação, os professores da rede municipal, os recém-egressos do curso de Pedagogia e os atuais estudantes, futuros professores.
Isso gera uma perspectiva sistêmica para a qualificação profissional, pois há uma troca efetiva entre aqueles que já têm mais experiência em sala de aula, os recém-formados que compartilham seus conhecimentos e vivências a partir do currículo de formação, e os estudantes que aprendem sobre as diferentes dimensões de atuação que envolvem a docência.
Em dupla inserção de formação (a formação inicial e a continuada) foi realizada uma ação que evidencia que a qualificação dos profissionais da Educação é possível em uma colaboração efetiva entre IES e as redes de ensino, e que vai além dos estágios curriculares obrigatórios.
Em Pindamonhangaba, o Instituto Singularidades e a Secretaria Municipal de Educação (SME) integraram uma ação de formação continuada que envolveu a participação dos professores da Rede Municipal de Educação Infantil, os professores recém-formados no curso de Pedagogia e os estudantes do mesmo curso no Instituto Singularidades.
Nessa experiência, os egressos, formados em Pedagogia no Singularidades, planejaram (com a supervisão da Profa. Dra. Angela Di Paolo Mota, integrante do corpo docente do curso) e executaram oficinas para os professores da rede municipal de Pindamonhangaba. Por sua vez, os estudantes do curso de Pedagogia, futuros professores, atuaram como monitores dessas oficinas.
Os temas das oficinas versaram sobre conteúdos curriculares aprendidos durante a formação inicial e a experiência profissional dos professores recém-formados, a partir da demanda trazida para a formação continuada pelos professores da rede municipal de Pindamonhangaba: práticas inclusivas com a 1ª. infância; a cidade e seus territórios educadores; o corpo e o movimento e suas práticas culturais e lúdicas; o letramento literário na infância; e, as linguagens expressivas.
Para os estudantes do curso de Pedagogia, indo além do cumprimento dos estágios curriculares obrigatórios, as iniciativas em atividades de extensão universitária que aproximem os estudantes da prática, é algo que pode ser ampliado e mais bem desenvolvido.
Para isso, ressaltamos a possibilidade de integração entre formação inicial e formação contínuas por meio de projetos de extensão universitária, de modo que os protagonistas desta ação possam elaborar e reelaborar saberes profissionais e pré-profissionais (porque ainda são estudantes de licenciaturas), por meio de trocas de experiências e vivências significativas.
Essa experiência pode trazer impactos interessantes para a inserção profissional e a compreensão da prática docente. O estudante do curso de Pedagogia aprende a observar, assim como se prepara para, quando professor, receber estudantes, futuros professores, e atuar como mentor dos ingressantes, em uma perspectiva sistêmica.
Nessas vivências, o futuro professor se aproxima, em uma perspectiva diferente, da realidade educacional, e também aprenderá a valorizar a sua futura formação contínua e o seu desenvolvimento profissional.
Os impactos resultantes desta ação, para os diferentes protagonistas, podem ser observados nos depoimentos que estão no vídeo abaixo.
[1] GATTI, Bernardete A.; Sá, Elba de S.; André, Marli. Políticas docentes no Brasil: um estado da arte. Brasília: UNESCO, 2011.
Cristina Nogueira Barelli é mestre em Linguística Aplicada ao Ensino de Línguas pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Pedagoga e Fonoaudióloga. É também autora de livros didáticos para alfabetização.
Para saber mais: www.institutosingularidades.edu.br
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