Em meados de janeiro fui convidada a escrever um breve artigo, para publicação no Blog do Instituto Singularidades. A intencionalidade do texto era dialogar com os possíveis participantes do curso de extensão “A produção escrita no contexto escolar: Planejamento, textualização, revisão e edição” —que será oferecido no Instituto, no período de março a junho de 2019 — ampliando informações sobre as etapas do processo de ensino da produção textual em sala de aula.
Fui, então, reler o texto de apresentação publicado no site do Instituto — que eu escrevera há alguns meses. Buscava, assim, uma forma de dar continuidade ao diálogo estabelecido anteriormente. Tinha a intencionalidade do texto e os interlocutores estabelecidos. Minha “oportunidade de ação” (ROJO, 2008) estava definida. Faltava, então, a materialidade do texto.
Sobre o que escrever? Sobre a forma como as etapas de produção de texto — da proposição, pelos educadores, até a versão final, dos escreventes — serão exploradas durante o curso? Sobre o Eixo de Produção de Textos, as respectivas habilidades e cada um dos campos de atuação, informações presentes na Base Nacional Comum Curricular (BNCC)?
Sobre os teóricos de referência cujos textos selecionei para o curso, e sobre as contribuições e as considerações de cada um acerca das práticas de escrita?
Sobre a responsividade e a dialogicidade propostas por BAKHTIN (1992), que nos chama atenção para o fato de que “o locutor termina seu enunciado para passar a palavra ao outro ou para dar lugar à compreensão responsiva do outro”?
Sobre a correção das produções textuais, refletindo sobre a citação de LEAL (2008), quando afirma que “o aluno não escreve para ser lido, mas para ser corrigido. A lógica escolar elimina, desse modo, a atitude responsiva ativa, pois o aluno sabe de antemão que nada ou muito pouco pode se esperar como resposta efetiva ao que produz”?
Ou, ainda, sobre a historicidade do processo de ensino da produção de texto, fundamentando meu texto em ROJO (2008), que retoma “um debate intenso sobre o que é a escrita, sobre o que ela pode significar para o sujeito que a aprende e sobre quais seriam as formas de aprendizagem desse sujeito”?
No processo de busca sobre a materialidade do texto, reli excertos do livro “Estética da criação verbal”, de Bakthin; consultei a Base Nacional Comum Curricular (BNCC); reli os artigos de Rojo e de Leal; conversei com educadoras e educadores sobre suas crenças acerca da prática de produção textual, sobre as facilidades e as dificuldades em propor atividades dessa natureza, sobre as formas de promover avanços nos textos dos escreventes.
Também busquei citações diversas, tentando encontrar um ponto de partida para o meu texto. Selecionei duas, uma de Clarice Lispector e outra de Honoré de Balzac. E, após todo o percurso descrito, e de posse das minhas anotações, me sentei para produzir o texto que você lê agora.
Como começar?
Poderia ter começado com a citação de Clarice Lispector, que me questionou: “Como começar pelo início, se as coisas acontecem antes de acontecer?”. Do convite para a escrita até o encontro das citações, passando pelos meus questionamentos, pelas minhas leituras, pelas minhas seleções (o que escrever, o que ler, quem citar), o texto já havia começado antes de começar.
Precisei de tempo, de leituras, de ampliação do repertório, de um ponto de partida — ainda que meus interlocutores e a intencionalidade do texto, conforme citado anteriormente, estivessem delineados.
Fiz o percurso que todo escrevente faz — ou deveria ter a oportunidade de fazer — passando pelas etapas de planejamento, de textualização, de revisão e de preparo para a edição. As etapas não foram lineares, a (auto) gestão textual aconteceu de forma a possibilitar que eu explorasse formas, conteúdos, que modificasse o meu percurso e as configurações do meu registro.
O que começou como um texto de formato aproximado ao acadêmico foi se transformando em um relato pessoal; nem por isso, deixou de cumprir o propósito comunicativo.
Há pouco, afirmei que poderia ter começado com a citação de Clarice Lispector. Também pensei, ao dar início a este artigo-relato, em começar com a citação de Balzac (apud MANGUEL, 2006), para quem “É tão fácil imaginar um livro quanto é difícil pô-lo no papel”.
Quando conversamos com os estudantes que chegam em nossas salas de aula — sejam crianças ou jovens — nos deparamos com uma farta e fértil imaginação; encontramos (e somos) contadores de histórias, em tantas situações comunicativas que vivenciamos ao longo de um dia, ao longo da vida.
Como fazer essa transposição para o papel, de forma que o que se tenha a dizer possa ser lido por outros, que amplie os saberes tanto de quem escreve quanto de quem lê?
Assim sendo, a citação de Balzac muda de lugar — do início para o fim — e, instigada pela ideia do autor, o artigo-relato ganha mais um leve contorno e passa a ser, também, um convite: junte-se a nós na exploração de caminhos e de possibilidades para ajudar nossos escreventes a não-somente imaginar o texto, mas a planejá-lo, materializá-lo, revisá-lo e colocá-lo no mundo — e para bem-além das pastas escolares, das paredes da sala de aula?
Esperamos por você!
Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular: Educação é a base.
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.
LEAL, L. de F. V. A formação do produtor de texto escrito na escola: uma análise das relações entre os processos interlocutivos e os processos de ensino. Em; VAL, M. da G. C; ROCHA, G. (org) Reflexões sobre práticas escolares de produção de texto: O sujeito-autor. Belo Horizonte: Autêntica / CEALE / FaE/UFMG, 2008.
LISPECTOR, C. A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
MANGUEL, A. A biblioteca à noite. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
ROJO, R. Revisitando a produção de texto na escola. Em; VAL, M. da G. C; ROCHA, G. (org) Reflexões sobre práticas escolares de produção de texto: O sujeito-autor. Belo Horizonte: Autêntica / CEALE / FaE/UFMG, 2008.
Vivian Maria Marcondes é graduada em Psicologia, mestre em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem (PUC-SP) e pós-graduada em Fundamentos do Ensino da Matemática (Mathema) e em Psicopedagogia (Universidade Metodista). É professora do curso de extensão o curso de extensão “A produção escrita no contexto escolar: Planejamento, textualização, revisão e edição”, no Instituto Singularidades.
Para saber mais: http://institutosingularidades.edu.br/novoportal/produto/producaoescrita/
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