Tudo é política: essa ideia é defendida pelo jornalista, sociólogo e pedagogo catalão Jaume Carbonell, que também é um dos grandes pensadores sobre a educação nos dias de hoje. Durante anos ele comandou a revista Cuadernos de Pedagogía (Cadernos de Pedagogia), uma das mais importantes publicações sobre este tema na Espanha e na Europa. Também foi professor na faculdade de educação da Universitat de Vic (Universitat Central de Catalunya, ou Universidade Central da Catalunha), em Vic, a poucos quilômetros de Barcelona.
Jaume esteve no dia 7 de agosto no Instituto Singularidades para falar aos professores e alunos da instituição sobre suas visões sobre a educação democrática, baseadas em seu último livro, La Educación es Política – A Educação é Política, ainda sem edição brasileira.
O pedagogo contou que a ideia do livro surgiu há dois anos, quando estava em casa e soube do atentado que havia acontecido naquela tarde nas Ramblas de Barcelona – um dos lugares mais conhecidos e turísticos da capital catalã – deixando dezenas de feridos, além de 17 mortos. Os autores do crime, cometido por atropelamento, eram jovens jihadistas de origem marroquina que cresceram e viviam em Ripoll, uma pequena cidade perto do Pirineus espanhóis.
O professor conta que lhe chamou a atenção uma mensagem de uma educadora numa rede social, que questionava como “jovens normais, integrados à sua cidade, estudantes que apresentavam boas notas, que jogavam futebol e participavam de atividades sociais poderiam ter feito aquilo?”.
Carbonell acredita que a resposta a isso é que esses jovens nunca foram realmente integrados, mas assimilados a esta sociedade, e este sentimento de não-pertencimento pode ter gerado o medo, a raiva e daí, a busca por preencher vazios (neste caso, com a religião, uma vez que os meninos foram cooptados por um líder religioso extremista).
O pedagogo comenta que estamos num mundo muito complexo, rápido e em mudança constante, em que não existe uma relação causa e efeito, mas sim uma multiplicidade de causas. E isso gera medo na sociedade, nas famílias, nas escolas. Um medo que tende a separar cada vez mais as pessoas, ao invés de uni-las.
E é aí que entra a questão da política e, mais ainda, dela na escola. A política, em sua origem etimológica grega, vem de pólis, a cidade e os cidadãos. Seria, então, relacionada à convivência. Em muitos países, o falar deste assunto passou a ser interpretado como “falar de políticos” ou da política exercida pelos partidos.
“A política entra na escola por todos os lados. Quem vai dizer que hoje, em pleno século XXI, que a escola não deve se abrir para a realidade da vida e do mundo? Quem pode negar isso? O que faz que o mundo se configure de uma forma ou de outra, ou quer a nossa qualidade de vida melhore o piore senão pela política?”, questiona.
A escola democrática, segundo Carbonell
Para o pedagogo catalão, a escola democrática é a que ensina “como”, e não “no que” pensar. Um espaço que use um dos instrumentos mais poderosos que temos, que é o poder do diálogo. Segundo Carbonell, uma escola é aberta a esta ideia, ou não é uma instituição de ensino. “Uma escola hierárquica, autoritária, tradicional e velha não resiste à passagem do tempo. É lá onde se pratica o diálogo e também são plantadas as primeiras sementes de uma cidadania livre, ativa e crítica”, explica.
A escola seria a versão moderna da ágora, outra palavra grega que quer dizer “espaço público comum”, no qual os alunos, professores e toda a comunidade escolar começa a conviver democraticamente e a exercer seus direitos. “E isso também pode se aplicar em sua casa, na rua, nos videogames, nas redes sociais e no tempo livre”, ressalta.
Segundo o catalão, a sociedade, sobretudo os professores, não pode estar à margem da realidade e do que acontece no mundo e na sociedade. E por isso ele acredita que o papel do educador não é apenas o de ensinar matérias, sem juízo de valor.
“Os currículos e conteúdos estão carregados de valores, em termos interpretativos. Quando eu ensino, por exemplo, história, não sou neutro. Você tem de mostrar os fatos, mas também tem de dizer que há diferentes interpretações e visões quando conta isso. Portanto, sempre há política envolvida”, explica.
Carbonell avalia também que essa escola idealmente democrática é muito importante na compreensão verdadeira das palavras, num mundo dominado por fake news espalhadas pelas redes sociais. “Eu creio que a educação tem também essa missão de explicar o sentido original e real das palavras, esse discurso. Essa é a tarefa importante, porque hoje há muita banalização, sobretudo nas redes, que criaram novos processos de socialização e relações, portanto temos de estar atentos em como participamos delas”, aconselha.
Questionado sobre como o professor do futuro deva portar-se diante de ambientes políticos que retiram a liberdade do professor, ou tentam implantar formas de doutrinamento, como as ditaduras e regimes autocráticos, Carbonell é categórico. Ele defende a autonomia escolar e acredita que a escola deva estar relacionada com a sociedade, com o mundo do trabalho e com a cidade, mas que seja, principalmente, um espaço de formação, de estudo, de pesquisa, e também de conversa e trocas.
“Numa democracia, numa sociedade democrática – me parece claro que aqui teríamos que discutir o que entendemos por democracia – a essência é que possa existir liberdade de expressão, quer dizer, que a escola possa falar de tudo. A escola, seja pública ou particular, tem o compromisso ético de mostrar o mundo, de ajudar os estudantes a compreenderem o mundo”, conclui Jaume Carbonell.
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