Sexta-feira, dia 29 de janeiro, foi comemorado o dia Nacional da Visibilidade Trans! Em 29 de janeiro de 2004, o Ministério da Saúde, juntamente a um grupo de ativistas do movimento trans, lança em Brasília a campanha “Travesti e Respeito: já está na hora dos dois serem vistos juntos”. A campanha lançada há 17 anos foi definitiva para que o dia 29 de janeiro fosse reconhecido como o Dia da Visibilidade Trans, em todo território nacional.
Nos anos que se seguiram, a luta pelo reconhecimento destas identidades se estendeu para que esse direito fosse também o direito ao nome social, ao uso dos banheiros conforme o reconhecimento de gênero, o direito a mudar o nome na certidão de nascimento, a utilizar o nome social nos registros escolares e ser tratado pelo pronome correto, em conformidade com sua identidade de gênero.
De todas as lutas, a pela permanência com vida no território é aquela que ainda se faz insurgente e não superada. No dia Nacional da Visibilidade Trans em 2021 a ANTRA (Associação de Travestis e Transexuais), publica o dossiê “Assassinatos e violência contra travestis e transexuais brasileiras em 2020”.
O documento aponta que 175 mulheres trans foram assassinadas no Brasil em 2020, e que em 77% dos casos os crimes foram cometidos com requintes de crueldade.
O Dossiê, organizado por Bruna G. Benevides e Sayonara Naider Bonfim Nogueira mostra, ainda, um ciclo de exclusões/violências que têm sido identificadas como as principais responsáveis pelo processo de precarização e vulnerabilização das pessoas trans.
Esse ciclo faz com que estas pessoas caminhem da precarização, ausência de afeto, renda, estudo, oportunidade de trabalho, ausência de reconhecimento da identidade de gênero, exposição e violência, para a morte. Tudo isso assegurado pela omissão de um Estado que se encontra em escassez de políticas públicas e invisibiliza pessoas trans.
Segundo o Dossiê, pela 12ª vez o Brasil seguiu ocupando o primeiro lugar no ranking dos países que mais matam transgêneros no mundo. Além disso, o número de assassinatos de mulheres trans e travestis é o maior desde 2008 — ano em que o dado começou a ser registrado.
A escola e a inclusão (ou exclusão) de pessoas trans
A exclusão e a impermanência das pessoas trans em sociedade passa, impreterivelmente, pela escola. O ambiente educacional tem uma dívida irreparável com a legitimação e a perpetuação da transfobia.
Seja pela ausência dos temas relacionados à transfobia e à transgeneridade no currículo, pela omissão em casos de violências contra crianças e adolescentes trans, pela falta de reconhecimento do nome social, dos pronomes de tratamento, do uso do uniforme e do banheiro, ou de diversas práticas de humilhação que levam as pessoas trans para fora da escola, numa expulsão falseada de evasão escolar.
A Secretaria de Educação da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) elaborou em 2016 um relatório sobre as experiências de adolescentes e jovens lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais em ambientes educacionais.
A pesquisa realizada nasceu de uma necessidade histórica de se produzir dados e sistematizar como a violência tem atingido os corpos LGBTQIA+ nas escolas públicas e privadas por todo o Brasil e na América Latina. De todos os resultados alarmantes da pesquisa, temos como avassaladores os dados sobre o grau de aceitação das pessoas LGBT na escola:
Segundo os dados da pesquisa entre os que não aceitam muito bem, são neutros, aceitam um pouco e os que não aceitam de forma alguma, soma-se 83,9 % dos entrevistados.
Apenas 16,1 % aceitam bastante a presença de pessoas LGBTQIAP+ nas escolas, enquanto mais de 80% odeia, se exime, não se move, oprime, cerceia, se faz indiferente, perpetua a transfobia, a LGBTfobia, destila ódio e preconceito.
Os dados nos fazem crer que essa guerra é puramente desigual, e que aqueles que poderiam auxiliar os que estão sendo oprimidos e fazer justiça dentro do espaço educacional, na maioria das vezes, corroboram com a violência ou lavam as mãos na ausência de uma ação eficaz.
Agora, quero me referir aos educadores, professores, coordenadores, diretores funcionários e todes aqueles que estão à frente de espaços educacionais e que não são pessoas trans, que são pessoas cisgêneras.
Como vocês vão nos ajudar a virar esses dados? O que vocês vão fazer para que as pessoas trans e todas as pessoas LGBTQIAP+ possam permanecer na vida e na escola? Qual é a energia, o espaço e a oportunidade que vocês vão despender para adentrar nessa luta?
Quero terminar esse texto dizendo que sou uma pessoa trans não-binária, professore, artista e do interior de Minas Gerais. Ministro a disciplina Gênero e Sexualidade na pós-graduação em “Inclusão Escolar e Diversidade” no Instituto Singularidades.
Desde o início da minha jornada acadêmica e ativista lutei para que gênero e sexualidade pudessem adentrar o espaço escolar como objeto de estudo, de análise, como ciência, como campo científico de investigação, como manifesto, e como luta contra a transfobia e a LGBTfobia.
Nós sabemos onde nossas dores doem, nós conhecemos as denúncias, sabemos onde o medo nos pega, onde o calo aperta. Sabemos o que temos que fazer, mas não podemos fazer na solitude, precisamos que vocês, pessoas cisgêneras, sejam aliadas nessa luta.
Queremos espaço, queremos trabalho, queremos visibilidade para alunes e educadores trans, queremos mudar o rumo da educação, queremos que a nossa presença seja uma constante nas salas de aula, na coordenação, na diretoria e nos corredores.
Queremos transgredir a transfobia, queremos transpassar o currículo, queremos transicionar da morte para a vida, do medo para a liberdade, da invisibilidade para a visibilidade.
Referências Bibliográficas
ABGLT. Pesquisa Nacional Sobre o Ambiente Escolar no Brasil, 2016. Disponível em: http://static.congressoemfoco.uol.com.br/2016/08/IAE-Brasil-Web-3-1.pdf. Acesso em: 02/02/2021.
BENEVIDES, Bruna G.; NOGUEIRA, Sayonara N. B. (Org.). Dossiê: Assassinatos e violência contra travestis e transexuais brasileiras em 2020. – São Paulo: Expressão Popular, ANTRA, IBTE, 2021 136p. Disponível em: https://antrabrasil.files.wordpress.com/2021/01/dossie-trans-2021-29jan2021.pdf . Acesso em 02/02/2021.
Lucas Dantas é professore, pesquisadore, artista e ativista trans não-binário. É licenciade em Letras Português pelo Instituto Singularidades. É professor da disciplina “Gênero e Sexualidade” na Pós-graduação “Inclusão Escolar e Diversidade: Questões conceituais e instrumentalização de práticas” , na mesma instituição. É mestrande em “Educação: História, Política, Sociedade” pela Pontifícia União Católica de São Paulo (PUC-SP). Pesquisa gênero, sexualidade e corpos dissidentes no espaço educacional.