Professora do Instituto Singularidades e especialista na abordagem italiana de Reggio Emilia, Maria Alice Proença acaba de lançar seu último livro, Prática docente: a abordagem de Reggio Emilia e o trabalho com projetos, portfólios e redes fomartivas, pela Panda Books.
Na obra, Maria Alice apresenta uma proposta de formação de professores e outros atores da Educação Infantil e das séries iniciais do Fundamental I totalmente centrada no coletivo e na importância construção grupal do conhecimento.
Alice busca isso baseando-se em registros reflexivos, como a documentação de aprendizagem e o desenvolvimento de projetos interdisciplinares. Conversamos com Maria Alice sobre a abordagem Reggio Emilia e sobre o recém-lançado livro, na entrevista a seguir.
Como você teve contato com a abordagem Reggio Emilia?
Meu contato com Reggio Emilia começou em 1996, quando estive presente na primeira exposição sobre o tema aqui no Brasil, que foi na escola Eugênio Montale, em São Paulo. Vi um outdoor na Marginal falando sobre as “Cem Linguagens da Criança” e aquilo muito me encantou. Fui atrás do livro, o que aconteceu um pouco depois que a Editora Artmed lançou.
E lendo o livro, “As Cem Linguagens Volume 1”, cada vez mais fui me interessando pelo assunto. Nesta época, comecei a coordenação numa escola, e resolvi trabalhar com as professoras a construção dos projetos do trabalho, que é um pouco na linha do que o livro vem trazendo desta pesquisa.
Reggio encanta e faz com que a gente possa se inspirar nesta abordagem, para cada vez mais descobrir dentro da identidade brasileira o que nós podemos fazer de uma forma mais coletiva, autoral e compartilhada. E, principalmente, partindo do princípio de uma criança competente, que quer avidamente conhecer o mundo e que pra isso precisa de educadores compromissados.
Estes docentes devem estar mais disponíveis para entrar em relação com essas crianças, para poderem a partir dessa relação entenderem o que elas estão querendo investigar e criar esses contextos para poderem mergulhar em experiências pessoais.
Como e onde se deu a sua formação nesta abordagem?
Desde então, em 1996 eu comecei a ler, estudar e pesquisar sobre Reggio. Queria saber cada vez mais do trabalho desenvolvido nesta região do norte da Itália, e no Brasil alguns livros começaram a chegar – todos eles pela Editora Artmed. Este contato com estes materiais cada vez mais foram fazendo com que esse interesse crescesse, e eu fosse descobrindo possibilidades de trabalho junto à equipe que eu estava coordenando.
Nesse meio tempo eu fiz o meu mestrado, pensando no trabalho de registro das professoras, e continuei meu doutorado (o primeiro na USP e o segundo, na PUC), pensando no trabalho com projetos e o quanto nós poderíamos fazer cada vez mais algo significativo.
De lá para cá, fui pra Itália pela primeira vez em 2008, e cada vez fui me apaixonando mais por essa proposta. Desde então já fui quatro vezes para Reggio e há dois anos eu entrei como professora da pós-graduação do Instituto Singularidades nessa abordagem.
Fui mergulhando nessa pesquisa cada vez, descobrindo novas possibilidades de trabalho e, principalmente quais seriam os princípios organizadores dessa proposta.
Isso porque eu acho que a gente a cada dia sabe mais quais são os grandes eixos de trabalho, podemos criar contextos e “projetações” que sejam cada vez mais adequadas aos interesses, às necessidades e às faltas das crianças. Acho que agora com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) cada vez mais nós vamos poder ter possibilidades de trabalho que sejam de fato adequadas às crianças.
Reggio Emilia é reconhecida por seu foco na construção de conhecimento por meio de projetos e da documentação da aprendizagem das crianças. Que outros pontos você citaria como um diferencial desta abordagem pedagógica?
Além do trabalho com projetação e documentação, que é amplamente divulgado, eu acho que o protagonismo de todos os sujeitos é fundamental dentro desse trabalho. É um professor, uma criança e uma família potentes, é uma comunidade onde todos se juntam para educar essas crianças no sentido de cada vez mais dar a elas a elas possibilidades de investigação daquilo que que ela está fazendo sentido.
Além disso, outro conceito que é muito interessante é o de transparência, o quanto nós precisamos tornar visíveis as situações de aprendizagem, por que são esses momentos é que vão fazendo com que todos possam fazer parte da história.
Loris Malaguzzi, que é o grande mentor desta filosofia, traz um conceito muito interessante, de que “as paredes são a segunda pele”. Então, no momento em que a gente documenta todo o trabalho realizado, nós vamos convidando outras pessoas a fazerem parte da sua história e a entender o que, de fato, as crianças estão investigando.
Outro conceito que é fundamental dentro dessa proposta é o conceito de entrar em relação. Então, um vínculo muito bem estruturado com as famílias, com a comunidade, com as crianças vai fazendo com que os sujeitos se sintam à vontade, com a autoestima mais fortalecida, para mergulhar nas suas investigações junto com os demais que fazem parte disso.
Então, documentação, projetação, relação e visibilidade: todos esses conceitos entrelaçados vão fazendo com que novas conexões possam ser estabelecidas e, cada vez mais, outras aprendizagens possam acontecer a partir daquelas que já haviam sido previamente estruturadas.
Uma outra questão que é fundamental é o conceito de experiência, que é muito daquilo que [o pedagogo catalão] Jorge Larossa falava, de que a ela é aquilo que nos toca e o que faz sentido, como os professores podem criar contextos de investigação para essas crianças, nas quais essas experiências possam ser cada vez mais contínuas, permanentes, valorizadas e, de fato, significativas para o trabalho é feito comum.
Como você trata os projetos e portfólios em seu novo livro?
No livro, o trabalho com projetos e portifólios é feito como um percurso formativo que é registrado, que é compartilhado com um percurso, no qual as crianças têm diferentes situações de ir e vir em torno do objeto que está sendo pesquisado.
Então, é dentro desse conceito de ir e vir que os projetos vão se desenvolvendo, todos eles necessitando de observação, registro, reflexão, interpretação e tudo isso vai fazendo com que a documentação possa ser construída.
Eu tenho que ter um foco de observação, um foco registrado, devo parar para olhar para todo esse material coletado e, a partir dessa coleta, criar uma documentação no sentido de uma narrativa reflexiva, que mostra essa aprendizagem das crianças. É nesse sentido que os portifólios e os projetos são relatados no livro.
Qual é o papel do coletivo nas escolas Reggio de hoje? Seguem o modelo criado por Loris Malaguzzi ou se adaptaram aos “novos tempos”?
O papel do coletivo é que, para que tudo isso possa acontecer, muitos olhares têm que entrar em contato. Muitas perspectivas de cada um dos episódios têm que ser consideradas, por isso os outros todos que fazem parte desse grupo são fundamentais para que esse movimento de aprendizagem das crianças possa de fato acontecer.
Ainda são poucas as escolas no Brasil que utilizam Reggio Emilia. Você vê alguma tendência de crescimento para os próximos anos?
No Brasil poucas escolas estão seguindo a linha “reggiana”, algumas mais, outras menos, uns exemplos de maneira equivocada e, ainda,outras começando a engatinhar nessa direção. Como eu já disse no começo, é fundamental que esses princípios sejam muito claros, porque são eles que vão dar para educador a possibilidade de mergulhar nessa experiência.
Muita gente acha que a Reggio Emilia é uma interpretação da metodologia Montessori. Quais são as principais diferentes entre ambas?
A Montessori traz dentro da proposta (também italiana) alguns conceitos que são muito interessantes, como por exemplo, de situações de vida prática, a questão da autonomia, que pra mim é fundamental. E aí Piaget também traz essa autonomia com muita clareza, porque esta é uma capacidade da criança de se autogovernar.
Essa criança, que como nos princípios montessorianos, também vai guiando os seus passos vai fazendo suas escolhas e vai se guiando dentro do cotidiano. Com toda certeza, Montessori e Malaguzzi teriam em comum esse princípio da autonomia, da mesma forma que Piaget.
Que conselhos você daria para os professores que querem saber mais da abordagem?
Eu diria para os educadores leiam, estudem, troquem ideias, reflitam sobre e, principalmente, registrem. Porque quanto mais eu escrever sobre aquilo que eu estou vendo, mais eu tenho a possibilidade de me distanciar daquilo que está acontecendo no momento que está acontecendo e buscar o fio condutor de todas estas experiências.
Maria Alice Proença é doutora em Educação e Currículo pela PUC-SP, mestre em Didática e Metodologia pela FEUSP e graduada em História. É professora do curso de pós-graduação sobre abordagem Reggio Emilia, no Instituto Singularidades.
Para saber mais: http://institutosingularidades.edu.br/novoportal/produto/abordagem-educativa-reggio-emilia/
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