Ir pela primeira vez à Campus Party foi uma tarefa que me exigiu certo esforço para compreender a lógica local. Uma enorme área sem divisões e, ao mesmo tempo, surpreendentemente organizada em variados espaços menores. Confesso que senti um estranhamento inicial. A primeira volta foi para captar que cenários seriam aqueles.
Encontrei muitos jovens jogando, alguns participando de oficinas, outros assistindo apresentações projetadas em telas gigantes, pessoas organizadas numa fila esperando pelo café, e muita gente empolgadíssima conversando na rapidez de um processador!
Eu definitivamente precisaria de um mapa e de legendas! Mas, na falta do mesmo, outra solução foi visitar cada espaço novamente, agora dedicando um tempo maior para alcançar a compreensão.
Tudo ultra, mega e blaster acelerado
Por ter me detido por um período maior em cada nicho, essa segunda rodada foi bem mais produtiva. Além de vivenciar os espaços, tive a oportunidade de conversar com alguns daqueles jovens.
Claro que precisei adaptar meu processador auditivo-cerebral, para decodificar tudo num tempo reduzido, além de buscar rapidamente sinônimos para o dialeto local. Foi como ter desembarcado na Alemanha, mas sem falar quase nada de alemão! Uma aventura!
Minha primeira dúvida era relativa à área de jogos. Por que ir até lá para jogar solitariamente? Finalmente entendi: há uma conexão ultra, mega, blaster (dialeto local), que permite uma super resolução. Isso abre espaço tanto para avançar muitos pontos no jogo, como também customizar as jogadas. Muito legal!
Quanto às apresentações, nos espaços reservados com cadeiras e uma grande tela, ocorre de tudo um pouco. Empresas que vêm para trazer suas novidades, estudiosos apresentando por onde estão caminhando, famosos falando sobre temas variados e enriquecendo o evento.
Já nas oficinas, me detive em duas delas como observadora, mas confesso que gostaria de estar com as mãos na massa. Montar uma placa usando ferro de solda me pareceu bem divertido! Uma verdadeira aula de eletrônica entre aquela zoeira danada do espaço. Ah, e um agradecimento especial ao inventor do microfone!
Um momento à parte foi com as frenéticas conversas que ocorriam entre os grupos dispersos pelo espaço. Incrível! Um misto de troca de experiências com orientações específicas para ajudar a resolver um problema, ou um momento para lançar hipóteses para possíveis soluções. Algo como um grande espaço colaborativo. Confesso que foi o que mais me agradou em toda Campus Party: ver gente reunida colaborando.
Enfim, tudo ali roda em torno de temas que já estamos lidando, ainda que sem o crachá de especialistas. Um mix de novas ideias – internet das coisas, blockchain, cultura maker, gamificação, supercomputadores, drones, programação, empreendedorismo e muito mais (que não consegui uma tradução clara!) – e com muita matemática.
E onde entra a matemática?
Sim, a matemática reina entre todos os cenários, mesmo quando gente pensa que não está ali. Não acredita? Releia a curta lista anterior e certamente irá vê-la, transbordando.
Fiquei pensando nesta minha experiência local, na matemática e na sala de aula. Minha primeira reflexão foi sobre os alunos da Segunda Licenciatura em Matemática, que estão chegando agora no Instituto Singularidades. Será que eles estão entendendo o nosso “matematiquês”?
Será que os professores estão ajudando a decodificar as coisas? Estarão eles navegando pelos diferentes nichos? Será que eles estão encontrando um bom espaço para a cooperação, a colaboração e a resolução de problemas? Essa reflexão foi curta, tenho certeza que sim!
Toda a nossa equipe no Instituto Singularidades tem clareza de seus objetivos como professores e experiência de sobra para ajudar na desmitificação da matemática, além de dar espaço para o novo, gerar aproximações entre aprendizes, cultura e matemática.
Fiquei tranquila nesse caminho, ainda que tenha certeza que estar ligado às culturas emergentes juvenis é sempre bem-vindo e necessário.
Mas daí pensei em algo mais amplo, nos jovens que estão no ensino básico ainda. Como estão vivendo as aulas de matemática? Como estão construindo saberes num mundo tão dinâmico? Estarão os professores preparados para compreender ou se aproximar deles?
Terão noção os professores de que estes jovens lidam com códigos, lógica de programação, números colossais expressos em gigas, gráficos que apontam performances nos jogos, sistemas e com problemas que precisam de solução? Ou será que ainda estão seguindo monotonamente com seus capítulos, lousas carregadas de demonstrações, exercícios abstratos e trabalhos em papel almaço?
Será que trazer elementos experimentados na Campus Party não seria de grande contribuição para a aprendizagem e para entender o objeto da Matemática? Para aprimorar habilidades e sistematizar competências lógicas?
Hoje eles estão jogando, programando, discutindo caminhos para resolver problemas, abrindo grandes espaços para a colaboração e a cooperação, relacionando-se com diversas tribos e lidando com a diversidade cultural de forma exemplar. Isso não é o que o mundo adulto projeta para eles? Será que estamos percebendo que este futuro não é um tempo tão distante?
Quero crer que refletir sobre tais questões é de suma importância: uma boa contribuição para pensarmos e repensarmos a sala de aula, além das aprendizagens que ali se operam – ou deveriam operar.
Experimentar a Campus Party trouxe concretude para o que estamos discutindo há tempos no Singularidades – cultura, educação e juventudes. Fica um grande desejo de que mais e mais instituições e professores também se debrucem sobre isso.
Ciente da pieguice, retomo: o futuro que projetamos como pano de fundo de nossas ações como educadores já está rolando entre nós. Nem precisa ser vidente, é só ser bom professor!
Margareth Polido Pires coordena o curso de Licenciatura em Matemática do Instituto Singularidades
Para saber mais: http://institutosingularidades.edu.br/novoportal/produto/segunda-licenciatura-matematica/
Entre em contato: [email protected]