No campo da educação, a implementação de políticas públicas sempre liderou as discussões na busca por uma melhor educação municipal, federal ou estadual. Iniciativas como sistematizar e corrigir a rota educacional na cidade do Rio de Janeiro; realizar a primeira parceria público-privada desta área no Brasil, na capital mineira; o esforço para aprovar um empréstimo que para colocar Florianópolis na ponta da educação brasileira e uma série de medidas tomadas pelo governo do Ceará para colocar em marcha necessárias mudanças nas políticas locais escolares são alguns exemplos.
Estes e mais outros dois casos de propostas e implementação fazem parte do projeto Políticas Educacionais no Brasil: o que podemos aprender com casos reais de implementação?, idealizado pelo trio de pesquisadores Caetano Pansani Siqueira, Felipe Michel Braga e Danilo Leite Dalmon. Tanto o livro além de materiais de apoio para gestores públicos, escolares e professores podem ser baixados gratuitamente aqui .
Caetano, Felipe e Danilo estudaram juntos na Universidade de Stanford, onde realizaram o mestrado em Educação Internacional Comparada. Foi do curso “Liderando a Mudança na Educação Pública”, que tratava de estudos de casos sobre liderança em educação pública nos Estados Unidos que surgiu a ideia de seguir o mesmo formato de estudo em nosso país.
A ideia era mostrar as iniciativas sem classificá-las como “cases de sucesso”, mas sim propostas que foram adiante e tiveram seus percalços e resultados, nem sempre tão bons quanto o esperado, mas sempre transformadores.
Conversamos com Danilo Leite Dalmon, um dos criadores do projeto, sobre como foi o processo de preparação, pesquisa e avaliação dos casos estudados, e em como eles podem inspirar professores, diretores e gestores escolares na luta por políticas públicas que tragam melhoras à educação brasileira. Confira a seguir a entrevista.
Ao se debruçar sobre um tema tão difícil de ser tratado – muito pela pouca transparência dos governos e a dificuldade em obter-se informações robustas sobre ele – o que mais lhe chamou a atenção na forma com que são criadas e aplicadas as políticas públicas relacionadas à educação no nosso país?
As políticas públicas de educação são feitas de forma artesanal ainda, há pouco estudo e em geral pouco preparo pelos gestores ao conduzirem essas políticas. Nosso objetivo com o livro é apoiar a preparação de futuros gestores públicos na área da educação: oferecendo experiências de outros gestores descritas num nível de detalhe que os permite entender o que passava pela cabeça deles. Dessa forma, as decisões que tomarão no futuro serão muito melhores.
No livro, você, os outros dois organizadores e a equipe de autores abordam seis estudos de caso. O que foi mais desafiador neste trabalho de lidar com toda esta realidade, nem sempre tão agradável ou simples?
Do lado dos organizadores, o desafio foi escolher quais casos nós trataríamos. Nós queríamos casos de todas as regiões do Brasil e que tivessem altas expectativas, independentemente se elas se tornariam realidade. Além disso, as experiências deviam ser do passado, distante o suficiente para as pessoas aceitassem conversar sobre o assunto, mas não tanto para ficar difícil demais para obter informações.
Do lado dos autores, o desafio foi ainda maior. Eles tiveram de enfrentar o tabu que é falar dos desafios e das decisões tomadas pelos gestores públicos de maneira aberta, citando os nomes dos envolvidos, inclusive. Alguns atores supostamente difíceis foram surpreendentemente fáceis de entrevistar, e outros muito mais difíceis, mas poucos se recusaram a falar.
Foi um trabalho muito interessante construir, junto com os autores e a partir das primeiras apurações, a linha de raciocínio que colocaríamos em cada caso. Esse foi um terceiro desafio: escrever as histórias de maneira precisa, profunda, e ao mesmo tempo cativante. Foram muitas versões até chegarmos nas finais, que estão no livro.
Os casos estudados e demonstrados no livro aconteceram em todas as regiões do Brasil, com prevalência da Sudeste, que traz um no Rio e outro em Minas Gerais. Que particularidades e semelhanças você, como organizador, encontra neles, uma vez que aconteceram em cidades com realidades distintas, mas com carências e necessidades parecidas?
A ideia de trazer experiências de todas as regiões do Brasil era exatamente tentar permitir ao leitor perceber desafios comuns e também desafios específicos de cada realidade. Por exemplo, um secretário de educação em São Paulo dificilmente vai enfrentar a realidade da floresta profunda do Amazonas ou a pobreza e a seca do interior do Ceará na década de 1990.
Por outro lado, todos os protagonistas enfrentavam problemas de relacionamento com os professores, com a sociedade, com a imprensa, com pais solicitando vagas etc. Além disso, todos os gestores tiveram que, de uma maneira ou de outra, às vezes implícita ou explicitamente, definir uma agenda para a educação em sua secretaria, implementá-la e comunicá-la. Os desafios cotidianos da implementação da política educacional são muito comuns entre as realidades brasileiras.
No livro vocês propõem um modelo teórico para que os alunos, professores ou gestores escolares levem o modelo de estudo de caso para a sala de aula. Pode explicar como ele funciona?
O livro traz alguns capítulos de suporte ao leitor, além dos casos em si. Temos um capítulo que traz um histórico da educação no Brasil, de forma que um exercício do leitor possa contextualizar cada caso em seu momento histórico regional.
Além disso, temos dois capítulos com conceitos que podem ser explorados ao estudar os casos: um sobre liderança e outro sobre administração pública. Assim, o leitor pode tentar analisar como cada um desses conceitos foi aplicado (ou não) pelos protagonistas e suas políticas em seus casos.
Como o livro foi feito com a ideia de ser usado em cursos de formação, professores podem usar esses capítulos como base para o trabalho dos alunos.
Como vocês mesmos apontam, a educação sempre foi relegada a segundo plano pelos governos desde o Império, e ainda hoje carece de respeito e consciência por parte dos governantes, que não respeitam a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) no que se relaciona à educação, fazendo com que a aplicação de boas políticas para a área sejam duras batalhas, como está expresso em cada caso. O que, na opinião de vocês, pode ser feito pela iniciativa privada, sindicatos, associações de pais e de cidadãos de forma geral para melhorar esta articulação com o governo?
Uma coisa que percebemos ao trabalhar com políticas educacionais é a dificuldade de quem está de fora do cotidiano da secretaria de educação entender o que está acontecendo lá dentro. É muito difícil saber se a gestão das políticas está sendo bem feita ou mal feita.
Então, os atores externos ao governo precisam aumentar a atenção que dão para isso, para compreender o que se passa nessa “caixa preta” da gestão pública.
A partir disso, eles poderão ser mais eficazes na influência que gostariam de ter nas políticas educacionais. Nosso livro mostra alguns exemplos de como a gestão pública acontece no dia a dia e pode ajudar as pessoas a entenderem o que pode estar acontecendo em sua secretaria de educação.
Qual caso contado no livro te chamou mais a atenção? Por que?
É muito difícil escolher um só, então eu vou citar duas pessoas. No caso do Rio de Janeiro, foi muito interessante conseguir a fala de uma professora que era diretora de escola à época do caso. Ela trouxe um ponto de vista muito complementar ao dos outros atores que nós vínhamos entrevistando até então.
A partir da fala dela nós fomos explorar mais o ponto de vista de outros professores e pessoas que estão na ponta da implementação da política pública.
Um segundo é no caso de Florianópolis, que a autora entrevistou a esposa do prefeito à época do caso, para conseguir “ligar os pontos” a partir das entrevistas que tinha feito com outros atores.
Para mim foi surpreendente como há nuances e detalhes do jogo político que acabam tendo uma influência muito grande na política educacional.
Como vocês acreditam que o livro possa ajudar gestores escolares e públicos (além de professores e coordenadores)?
O livro tem como público-alvo pessoas que têm interesse na gestão pública da educação, e principalmente para pessoas que querem se tornar gestores públicos na área da educação no futuro.
Como comentei acima, ele pode ajudar trazendo um repertório rico sobre as decisões que os protagonistas dos casos tomaram em várias situações em que estavam como líderes de uma secretaria de educação, além de algumas das consequências dessas decisões.
Além disso, o livro traz conceitos básicos sobre organização da educação pública no Brasil, sobre liderança e sobre administração pública, que são essenciais para quem quer atuar ou tem interesse no assunto. Para mim, o mais interessante é ler o livro junto com outras pessoas e discutir “o que eu faria se estivesse no lugar do protagonista?”.
Essas discussões são importantíssimas para entender o que se passa na cabeça de um gestor público enquanto líder da política educacional de uma secretaria. Esperamos que o livro possa ser aproveitado em muitas disciplinas de graduação e pós-graduação nas áreas de educação e gestão pública.
Danilo Leite Dalmon é mestre em Educação Internacional Comparada pela Universidade de Stanford e em Ciência da Computação pela USP, além de graduado em engenharia de controle e automação pela Unicamp. Já na graduação se interessava por educação, trabalhando como monitor e representante discente. Atuou na área de softwares industriais e educacionais e na formação de professores.
Para saber mais: http://institutosingularidades.edu.br/novoportal/
Entre em contato: [email protected]