Mesmo depois da Lei 11.465/08 de 2008, que tornou obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena na escola, o estudo da cultura e da literatura produzida por autores indígenas ainda caminha a passos lentos no Brasil. Da mesma forma, o conteúdo sobre os povos tradicionais estudado nas escolas sempre foi insuficiente – segundo estudos, os indígenas habitavam a América do Sul há mais de mil anos antes da chegada dos conquistadores, dado que pouca gente conhece.
A celebração das culturas originárias seguem relegadas a uma espécie de festa à fantasia no mês de abril, com crianças com o rosto pintado e cocares confeccionados em cartolina e penas imitando o que, dentro do imaginário coletivo, é o índio brasileiro.
De acordo com Marcelo Ganzela Martins de Castro, isso se deve ao fato de o currículo escolar nunca haver valorizado a herança cultural indígena da maneira devida. Conversamos com Marcelo sobre a cultura indígena remanescente no Brasil e também sobre a disciplina Literaturas e Culturas Indígenas, que faz parte do currículo da licenciatura em Letras do Singularidades, coordenada por ele.
Por que há tão pouco interesse de grande parte das escolas nestes grupos e em sua cultura?
Nós viemos de um histórico escolar e cultural que via os povos indígenas como inferiores, como pessoas com menor autonomia e, consequentemente, menos capazes que o restante da sociedade brasileira. Tanto é que apenas a partir da Constituição de 1988 que o indígena adquire direitos mais próximos aos de um cidadão brasileiro de outras etnias. Nossa dívida cultural com os povos indígenas é longa. Infelizmente, muitos de nós ainda não reconhecem esse fato.
Quantas destas nações indígenas ainda existem e mantêm línguas próprias?
Hoje ainda existem 305 etnias, com 274 línguas indígenas sendo faladas no Brasil, de acordo com o censo de 2010. Diferente da ideia comumente difundida, esses povos não estão somente no Norte do país: há povos indígenas nas cinco regiões, em todos os estados brasileiros.
A literatura produzida nestas línguas é, em sua maior parte, oral, mas existem também registros gráficos consistentes?
A Lei 11.465/08 (de 2008), ao tornar obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena na escola, acabou impulsionando imensamente a oportunidade de publicação de autores literários indígenas.
Hoje, é muito mais fácil encontrar obras literárias indígenas escritas em português ou em edições bilíngues (em português e em um idioma indígena). Diversos autores têm ganhado destaque no mercado editorial: Daniel Munduruku, Eliane Potiguar, Yguarê Yamã, Olívio Jekupé, Carlos Tiago Haki’y, entre outros.
Dos registros existentes, que livros você destacaria como fundamentais para se conhecer um pouco do conhecimento produzido por estas culturas ancestrais?
Talvez uma das obras mais conhecidas, praticamente um cânone hoje, é o livro de memórias “Meu Vô Apolinário”, de Daniel Munduruku. É uma obra potente, poética e emocionante sobre a trajetória do autor em seu reconhecimento enquanto indígena.
Do ponto de vista teórico, é imprescindível se ler Graça Graúna, uma das principais pensadoras e organizadoras das teorias sobre as literaturas indígenas no Brasil.
Durante o curso os alunos também conhecem o sistema educativo e a educação escolar indígenas. Como esse aprendizado se dá: em sala de aula e também em visitas de campo, a aldeias e outros lugares de interesse?
A ideia da disciplina Literaturas e Culturas Indígenas é romper com preconceitos e apresentar esse campo de investigação e prática para nossos futuros professores de língua portuguesa. Eles conversam com autores e educadores indígenas, visitam aldeias, conhecem um pouco de como se pensa a educação indígena e leem muita literatura indígena.
O percurso é o do conhecimento que promove reconhecimento: queremos formar professores de português que reconheçam os povos e culturas indígenas como genuinamente brasileiros!
O quanto você (enquanto professor e cidadão) considera importante que os futuros docentes (seja de língua portuguesa, história ou geografia) saibam das culturas originárias?
Primeiro, é importante que percebamos que, além de serem nossos antepassados, os indígenas também fazem parte do presente. Eles continuam aqui, fazem parte da sociedade brasileira, devem ser respeitados e valorizados assim como toda a sociedade.
Conhecer é o primeiro passo para respeitar, para valorizar e para se permitir aprender com visões de mundo, de tempo e espaço bastante distintas do pensamento ocidental tradicional.
O multiculturalismo representa uma demanda urgente da contemporaneidade. Eu não consigo enxergar um cidadão consciente e engajado em um futuro melhor para o planeta e para a própria sociedade que não considere a inclusão de todos que ficaram, por muito tempo, marginalizados dos privilégios e do currículo escolar. O mundo é todos.
Marcelo Ganzela Martins de Castro é coordenador do curso de Licenciatura em Letras do Instituto Singularidades.
Para saber mais: http://institutosingularidades.edu.br/novoportal/produto/letras-graduacao/
Entre em contato: [email protected]