Durante um período em que professores tiveram de enfrentar muitas questões pela primeira vez (como ensinar de forma remota), muitos deles sentiram a necessidade de buscar uma formação continuada. A oferta deste tipo de curso cresceu muito durante todo este ano em que o mundo enfrenta a pandemia da Covid. Mas qual será o impacto e a transformação que eles causam na atuação dos docentes?
Este foi o tema da conversa entre a coordenadora dos Cursos de Extensão do Singularidades, Antonieta Megale, os professores Márcia Padilha e Elton Viana e a educomunicadora Januária Cristina Alves, no webinar O desafio da formação continuada, que aconteceu na última quinta-feira (25/2).
Citando o educador catalão Francesc Imbernón, Antonieta iniciou o debate, dizendo haver muita formação, mas pouca mudança. “Imbernón escreveu isso em 2010, mas acho que ainda é muito válido para os dias de hoje. O autor prossegue dizendo que talvez essa falta de mudança aconteça porque “predominam políticas e formadores que praticam com entusiasmo” uma formação que ele denomina como “descontextualizada, válida para todos e sem as diferenciações necessárias”, conta.
A partir dessa reflexão, a mediadora convidou os três professores a aportarem suas ideias de como tal transformação aconteceria a partir da formação continuada, compartilhando suas visões como educadores desde sua área de atuação.
Para Márcia (mais conhecida como Pada), que trabalha com inovação em educação, para além da aura tecnológica e, muitas vezes de acordo com ela, antipática, inovar é pensar em formas de se fazer algo de forma diferente.
Ela relembra que no começo da pandemia houve muita confusão entre os educadores, porque quando formado, o professor é preparado para atuar no ecossistema escolar, e transportar o que acontece no físico para o virtual é muito difícil.
“Então, quando a gente pensa em inovação e mudança numa formação docente que está propondo uma série de mudanças, normalmente não é o que acontece. As formações não pensam nisso. Elas são muito técnicas e têm pouca informação social do contexto no qual o professor está inserido. Temos de pensar o que a gente pode fazer para que isso mude”, analisa.
Elton, que é professor de Matemática e trabalha com Educação Especial, comenta as reflexões de Antonieta e Pada a respeito de qual formação os educadores almejam neste momento, em que o Brasil e o mundo estão imersos numa situação de caos.
O professor salienta que temos em nosso país uma formação muito pautada pelo Racionalismo e o Positivismo, duas correntes filosóficas focadas na lógica, o que revela a falta de reflexão sobre processos epistemológicos nesta formação, além da indispensabilidade de se pensar em necessidades e habilidades dos alunos de forma individual.
“A epistemologia do professor se refere à evolução, às ações e às formas com que ele compreende, monta e remonta as interações na sala de aula. Então, não é simplesmente chegar para lecionar com aquela ideia limitada de que eu tenho um conteúdo, uma matriz a ser cumprida. Estou lidando com seres humanos. Acredito que este é o momento de repensarmos essa formação, de ressignificar e discutirmos isso, não deixarmos realmente passar, porque é um momento terrível para todos nós”, analisa o professor.
Januária concorda com os colegas e pensa que os desafios do último ano pedem um novo desenho de formação continuada. Ela conta que durante os cursos e webinares que ministrou em 2020, notou que os professores chegavam a estes eventos pela vontade de saber mais sobre o tema, mas que ao final o que interessava mais a eles era o encontro, a formação de uma comunidade colaborativa de aprendizagem e troca.
“Acho que nas formações a gente dá oportunidade para que esses professores estejam juntos, especialmente neste momento, compartilhando não só os aprendizados e os métodos, mas principalmente as angústias e as dúvidas. Creio que esse é o grande papel da formação continuada, porque a gente, mais do que nunca, precisa se sentir acompanhado”.
A importância da humanização e do diálogo: quem forma o formador?
Antonieta Megale, que além de coordenadora é também professora no Singularidades, disse que mais que pensar o conteúdo e em como isto vai engajar o aluno, tornou-se objeto de reflexão a forma de promover interações com os estudantes, num processo de construção do conhecimento. Segundo ela, muitas vezes pensa-se numa formação clássica, que parte da teoria e vai para a prática, mas que seria o momento de inverter esse olhar.
Partindo dessa provocação, Pada analisa a relação entre a humanização e o diálogo, e do diálogo reflexivo com a parte prática. “Eu fico pensando: quem forma o formador?”. Ela, que não é docente, mas uma parceira na formação desses educadores, diz que seu trabalho é fazê-los refletir com as metodologias que desenvolveu ao longo de sua vida profissional sobre prática em sala de aula, e agir em parceria com os professores.
“Eu acho que hoje, cada vez mais, o formador tem que ser essa pessoa do diálogo, da provocação e da pesquisa do professor e da professora. Quem forma a gente para formar o professor? Na verdade, essa conversa não é só uma troca da afetividade, o encontro de uma profissão específica como a docência, mas uma troca com o desenvolvimento pessoal e profissional (o que está meio junto) sobre a visão do mundo”, reflete.
Elton complementa a colega, dizendo que essa conversa com o professor é essencial, e que os melhores materiais, sequências didáticas, propostas e projetos foram construídos na sala de aula, de forma conjunta. Ele, que atua numa área na fronteira entre a Matemática e a Educação Especial na rede pública de São Paulo, conta que há 10 anos opera em salas com recursos multifuncionais, destinadas a acolher os alunos com deficiências de mobilidade ou cognitivas.
O professor comenta que, ao longo de sua experiência, chegavam à escola diversos recursos, inclusive do próprio Ministério da Educação, de editoras ou instituições, destinados aos alunos que não atendiam às necessidades dos alunos daquela escola.
Ele dá como exemplo materiais em Braille que chegavam à escola destinados aos alunos cegos, ignorando que, mesmo que comprovada a deficiência visual por um laudo clínico, não são todos os estudantes nesta condição que compreendem esta forma de linguagem.
“O fato de um estudante apresentar um determinado laudo não significa que eu já sei quais atividades e recursos ele precisa. Porque eu preciso olhar para o aluno, e não para o documento que ele traz, e esse é um exercício muito complexo. Todos nós que atuamos no campo da Educação Especial sabemos que isso ainda é uma barreira a ser vencida aqui no Brasil”, conta.
Elton salienta que a articulação entre o professor do Ensino Fundamental, por exemplo, e um especialista de Educação Especial é muito importante, gerando processos de cocriação importantes. É partindo-se deste diálogo que fica claro que o que aquele estudante precisa vai muito além das diretrizes gerais, o que é um exercício difícil, mas com um caminho muito rico pela frente.
Januária aborda, como Elton, este aspecto da construção coletiva. Ela relembra uma fala de uma de suas professoras durante o período da educação básica que a marcou muito pessoal e profissionalmente.
“Ela dizia que ninguém leva ninguém a um lugar onde nunca esteve. Então, como eu vou falar de um livro que eu não li, ou que eu não gosto? Eu não consigo dar essa aula: vou chegar, fazer uma coisa mecânica, simplesmente cumprir os meus 50 minutos e vou embora”, reflete.
A educomunicadora completa, contando que aquela docente apresentava aos alunos diversas opções de leitura, de livros que podiam ser encontrados em bancas, no estilo das antigas Sabrina e Júlia, a autores clássicos, como Machado de Assis, porque ela gostava de ler tudo e queria compartilhar seu interesse com seus alunos.
Em suas oficinas de mediação de leitura, Januária costuma pedir que os alunos citem os livros que os marcaram ou que foram responsáveis pela formação deles. Como resposta, geralmente as reações são muito emocionantes, e ela sempre analisou aquilo como uma mostra de que aqueles docentes estavam prontos a estimular a leitura em seus alunos, porque ali estava claro o quanto amavam aquela atividade. Isso comprova o que dizia sua antiga professora.
“Quando eu começo os cursos de educação midiática, pergunto: como você se informa logo de manhã? O que é que você abre (a internet, o jornal de papel ou o celular)? Como é a sua relação com a informação? Porque não há como levar a mídia para a sala de aula se não se tem uma relação com ela”, avalia.
Então, completa Januária, é a partir desse lugar que se torna possível ao professor atuar nesta mediação e construir estas pontes. “A gente realmente tem que pegar o outro pela mão e dizer que vamos juntos, construindo esse conhecimento e acompanhando esse movimento, a partir do lugar do professor e o do aluno, que está lá, esperando para aprender”.
Para quem deseja se aprofundar mais nos temas apresentados por Elton, Januária e Pada, os três professores farão parte das Imersões Singularidades, que acontecerão no dia 13 de março, de forma remota. Márcia “Pada” Padilha ministrará a oficina Design de aprendizagem em situações híbridas, enquanto Januária Cristina Alves conduzirá o curso Educação sobre, com e por meio das mídias sociais.
Os professores Elton Viana, Carla Sparano e Tiago Codogno Bezerra ministrarão a oficina Conversando sobre inclusão e Libras no ensino da Matemática. A jornada conta ainda com mais duas oficinas, Alfabetizar também no ensino remoto, a cargo de Mara Sílvia Negrão Póvoa, e Quando o pensamento visível se torna uma rotina? Caminhos para viabilizar o pensamento e aprofundar a aprendizagem, com Renata Araújo. Saiba mais e faça a sua inscrição para as Imersões aqui.
Para saber mais: https://institutosingularidades.edu.br/produto/imersoes-singularidades/
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