A pandemia e seus efeitos, incluindo a forma como tem sido tratada e conduzida em nosso país nos impõe intensos, e até cruéis, desafios. Estamos diante de uma ameaça invisível à vida, e tentando dar conta de sustentar o lugar de importância da escola na vida de crianças e adolescentes.
Essa sustentação é mais um ato no sentido de defender o papel central que tem a educação em qualquer país preocupado e comprometido com o futuro e com as novas gerações.
Esse momento, no qual as perdas relativas ao afastamento social, às mortes, ao fechamento das escolas (só para citar alguns dos elementos em jogo na atual crise), deixa mais evidente a sensibilidade da saúde mental nas condições de vida de uma população em geral, e na comunidade escolar em particular.
Há algum tempo temos recebido alertas dos especialistas sobre a quarta onda de COVID 19. Ela é definida a partir dos impactos a curto, médio e longo prazo na saúde mental da população mundial.
É claro que eles não serão os mesmos em toda parte, pois dependem das condições de vida preexistentes a ela e a maneira como são conduzidas as políticas de saúde pública e proteção social.
A forma como a população de diferentes regiões ao redor do mundo tem sido abalada varia de acordo com elementos sociais, políticos, econômicos, culturais, territoriais etc. As condições podem ser mais ou menos favoráveis para a elaboração dos excessos emocionais impostos pela pandemia.
Se por um lado, apontamos para experiência radical e atual em termos gerais e seus efeitos ao longo do tempo, por outro, as crises costumam também colocar em evidência aspectos mais particulares.
Podemos citar como exemplo, a partir do impacto psíquico dos processos de fechamento e reabertura das escolas, o evidenciar da articulação entre a educação e a subjetividade.
Com quais desses aspectos teremos que lidar como restos dessa crise em grande escala? Como nos preparar, enquanto educadores, para tratar de assuntos difíceis, delicados e embaraçosos?
O papel social da escola e da educação na pandemia foram colocados à prova. Mães e pais questionaram suas funções e a da instituição escolar. As escolas que conseguiram implementar atividades escolares de forma remota, levaram para as casas dos alunos uma amostra, mesmo que em regime de exceção, do que realizam. Ficou evidente a complexidade do trabalho e foi reconhecida sua dificuldade.
Assim as famílias que puderam manter o distanciamento social e acompanhar o dia a dia de seus filhos e filhas, foram lançadas a pensar sobre coisas que estavam, até então, invisíveis e inaudíveis.
Mas também muitas crianças e adolescentes ficaram sem um lugar no qual pudessem se alimentar. Outras perderam um espaço, fora do âmbito doméstico, onde pudessem denunciar violências e ofensas sexuais, e outras ainda tiveram que voltar a trabalhar.
Estamos em um momento no qual, apesar de toda a dificuldade que a crise nos impõe, é necessário discutir as conquistas realizadas pela educação, assim como aprofundar a discussão sobre a função social da escola e dos educadores.
Já sabemos há muito que o número de professoras e professores afastados do trabalho em função de “doenças psiquiátricas” não é insignificante. O trabalho docente implica lidar com inúmeras facetas do processo de ensino-aprendizagem. Contudo, o que temos feito a esse respeito?
Será que as discussões sobre as condições do cuidar, como aspecto de grande importância, têm merecido o mesmo lugar no cenário educacional que os temas relativos aos procedimentos e aos conteúdos?
Educação e psicanálise
A psicanálise não se reduz a uma forma de tratamento psíquico. Freud já estava atento aos determinismos socioculturais, ou seja, marcas que as diferentes épocas históricas deixam nas subjetividades e produzem distintos modos de sofrer.
Ela se constitui também numa leitura acerca das relações entre os humanos: como cada sujeito se coloca diante do mundo, do outro e de si; como se dão as tensões entre as dimensões do individual e do coletivo; como se entra e se participa do coletivo de seres humanos. Ou seja, a psicanálise sempre esteve atenta às discussões acerca dos conflitos, das contradições e dos paradoxos inerentes à existência e aos agrupamentos.
A educação como um amplo campo, no qual os processos escolares estão incluídos, traz também questões cruciais acerca das relações entre a singularidade e o coletivo, presentes de forma indiscutível nos processos de ensino e aprendizagem. Além disso, vivemos em um tempo de rápidas e profundas transformações, o que exige “ler” e “escutar” o que se passa ao redor, tanto em seu ambiente escolar quanto no mundo.
A leitura e a escuta tornam-se, então, ferramentas para criar estratégias e intervenções que levem em conta os aspectos mais amplos e complexos envolvidos em seu cotidiano. O saber e o fazer docentes não se limitam a uma reflexão consciente. Assim como toda e qualquer relação humana, eles colocam em jogo aspectos inconscientes.
Freud definia o governar, o psicanalisar e o educar como profissões impossíveis, ou seja, sendo inalcançáveis em sua plenitude, coloca a todos os que nelas se aventuram diante da confrontação com seus limites e imprevisibilidades. Essa posição frente ao ato educativo exclui qualquer possibilidade de reduzi-lo aos conhecimentos técnicos.
Sendo assim, a conversa entre psicanálise e educação pode abordar algumas possibilidades e limites na busca por elementos para uma compreensão da permanente e indestrutível tensão gerada por nossa condição de seres humanos dotados de um inconsciente e vivendo em sociedade.
Nas sociedades como a nossa, nas quais o cuidado também está a cargo da educação formal, parece-me oportuno incluir na formação das pedagogas e dos pedagogos aquilo que Figueiredo (2007) denominou metapsicologia do cuidado, ou seja, “(…) o desenvolvimento de uma concepção geral do cuidado que possa ser compreendida e operada por agentes cuidadores em geral: mães e pais, médicos, enfermeiros, professores, assistentes sociais, fonoaudiólogos (…)”
Para esse autor, o cuidado com o outro e consigo é o que permite que se crie um sentido humano para a própria existência ao longo da vida, “(…) estabelecer ligações, dar forma, sequência e inteligibilidade aos acontecimentos. Em outras palavras: fazer sentido equivale a constituir para o sujeito uma experiência integrada, uma experiência de integração.
Tais experiências não se constituem se não puderem ser primeiramente exercidas, ensinadas e facilitadas pelos cuidados de que somos alvo”. Sendo assim, a graduação em Pedagogia do Instituto Singularidades inclui o cuidado como experiência formativa.
A apropriação do mundo e a atribuição de sentido (s) é o que marca a passagem de uma vivência à uma experiência. Para viver, é importante que possamos transformar sentidos também. Mas essa capacidade está longe de ser uma atividade puramente cognitiva.
Criamos sentido a partir de nossas marcas, inscritas primeiramente pelos cuidados iniciais quando bebês. Se essas marcas nos constituem como sujeito, elas não dão conta de determinar tudo o que seremos.
A ampliação do mundo, que geralmente se inicia com a entrada na escola, tem a potência de nos conectar com outros agentes de cuidado para além da família, o que é imprescindível na constituição de nossa capacidade simbólica de estar no mundo.
Se na educação infantil isso é muito evidente, há uma tendência em atribuir menor relevância no ensino fundamental, médio e superior. É justamente nesse ponto que destacamos a importância de discutir e experienciar a indispensável dimensão do cuidado na formação inicial e continuada de pedagogas e pedagogos.
Se concordamos com Figueiredo (2007) que uma das metas do cuidado é ajudar a promover naquele do qual cuidamos a capacidade cuidadora, a formação precisa incluir outros elementos além dos conhecimentos conceituais e técnicos.
Foi nesse contexto, e a partir da consideração da formação do pedagogo em sua complexidade, que nasceu a proposta da disciplina eletiva “Rodas de conversa: psicanálise e educação”.
A mesma está comprometida com a promoção de um espaço de fala, escuta, reflexão e discussão acerca do educar na contemporaneidade que se constitui, junto com outras áreas da saúde, numa atividade fundamental à vida. Ou seja, um compromisso com um espaço de engendramento de cuidado que alcance tanto educandos quanto educadores.
Bibliografia: Figueiredo, Luis Claudio. “A metapsicologia do cuidado” In Psychê, Ano XI, nº 21, São Paulo, jul-dez/2007, p. 13-30.
Tatiana Inglez Mazzarella é doutora e mestre em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), e graduada em Pedagogia pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (1993). É psicanalista de crianças, adolescentes e adultos, e professora no Instituto Singularidades.
Professores e professoras: que ferramentas e metodologias têm usado para cuidar da saúde mental dos seus alunos e alunas, mesmo nas aulas remotas? Conte para a gente!
Para saber mais: https://institutosingularidades.edu.br/novoportal/produto/graduacao-em-pedagogia/
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